Vulnerabilidade hídrica e desigualdades: um grito de socorro em Manaus

Em meio à sequência das secas mais severas das últimas décadas, os habitantes das zonas mais pobres de Manaus enfrentam uma luta silenciosa e desigual pela sobrevivência. A seca histórica que assola o Amazonas já é a pior dos últimos 122 anos, com o rio Negro atingindo um nível crítico de apenas 12,17 metros em outubro de 2024. Esse fenômeno climático extremo tem sido especial e cruel para aqueles que vivem nas periferias, onde a escassez de água potável e os problemas no abastecimento são desafios diários.

No bairro periférico de Colônia Antônio Aleixo, o comerciante Jorge Miguel Gomes, de 73 anos, descreve um cenário desolador. O Lago do Aleixo, outrora fonte de sustento e lazer para a comunidade, transformou-se em um deserto ressequido. “Esse ano está pior que o ano passado, não dá para puxar barco aí, só se chegar de helicóptero”, desabafa Jorge, que se vê compelido a utilizar uma cacimba que perfurou para suprir suas necessidades básicas. Infelizmente, muitos outros não têm essa alternativa e dependem de fontes de água inseguras.

Conforme os dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a realidade do racismo ambiental se intensifica com a falta de acesso a água e saneamento básico. No estado do Amazonas, apenas 66% dos domicílios permanentes possuem ligação com a rede geral de distribuição de água tratada. Em Manaus, apesar de 76,2% das casas terem alguma forma de conexão, mais de 310 mil domicílios estão desprovidos de serviços básicos de esgoto, sem banheiro e em muitos casos também sem água encanada. Para esses manauaras, cavar poços artesanais tornou-se a única saída.

Além dos efeitos diretos da seca, a situação é agravada por interrupções frequentes no serviço de água da concessionária Águas de Manaus. Segundo a empresa, os bairros do Tarumã e São Jorge foram particularmente afetados por questões de vandalismo e falhas de energia, situação que os moradores refutam e que apenas intensifica a precariedade na área. Para Sabrina Alcântara, estudante universitária, o desafio de ficar sem água várias vezes na semana transformou-se em um tormento econômico e social. “A gente conversa com os vizinhos para conseguir água de poço e acabamos usando cartão de crédito para comprar água fora”, diz Sabrina, enfatizando a instabilidade de um serviço que deveria ser regular.

A crise não se limita às dificuldades físicas mas também invade as dimensões sociais e econômicas da vida em Manaus. Everson Soares, um motoboy que vive na região, aponta a dependência do lago que seca rapidamente, dizendo: “A falta de água impacta tudo”. Nessa área turística, a escassez ameaça não só o bem-estar pessoal mas também o fluxo vital da economia local, comprometendo ainda mais as condições de vida dessas comunidades.

Assim, a privatização do fornecimento de água, implantada em Manaus desde 1999, se torna foco de discussões acirradas e investigações. Sandoval Alves Rocha, do Fórum das Águas do Amazonas, critica o desvio das promessas iniciais, que falharam em garantir acesso adequado à população vulnerável. Conforme o último Ranking do Saneamento, só 26,1% dos manauaras têm acesso a coleta de esgoto. A privatização, que prometia aumento de eficiência e cobertura, no entanto, expôs ainda mais as deficiências estruturais da cidade.

Enquanto as autoridades e a concessionária Águas de Manaus buscam soluções para adaptar a infraestrutura ao agravamento do clima e à progressiva escassez hídrica, o padre Sandoval enfatiza a necessidade de políticas públicas que garantam os direitos básicos. Remunicipalizar o serviço volta a ser uma proposta visada, potencialmente restaurando algum controle à população sobre a sua água, além de salvaguardar esses recursos essenciais em meio a uma lógica de mercado que privilegia o lucro sobre a equidade social.

A urgência da situação em Manaus reflete um problema mais amplo e global. A equação é complexa, entretanto, a soberania sobre os recursos locais pode ser a chave para mitigar o sofrimento infligido por estas condições climáticas e políticas adversas, reduzindo as desigualdades e assegurando um futuro mais justo e sustentável para todos os manauaras.


Fonte: https://amazoniareal.com.br/especiais/seca-em-manaus/

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