Uma pesquisa realizada na Estação Ecológica de Assis, em São Paulo, indicou mudanças significativas na estrutura e composição da vegetação do Cerrado. O estudo, que acompanhou 256 parcelas ao longo de um período de 14 anos, revelou uma rápida transformação da vegetação savânica em cerradão, uma formação florestal mais densa e menos biodiversa. As conclusões do estudo são preocupantes no que se refere à resiliência do bioma às mudanças climáticas e à conservação da sua biodiversidade característica.
Ao longo dos anos, sem a ocorrência de queimadas, tradicionalmente um manejo utilizado na preservação do Cerrado, as áreas estudadas apresentaram um adensamento de árvores que, se por um lado poderia parecer um crescimento vegetal saudável, por outro, representa uma perda dramática e irreversível das espécies típicas do bioma. O estudo relevou também que nesse período, mais de metade das árvores inicialmente registradas morreram e em torno de 10 mil novos indivíduos surgiram e cresceram até atingir 5 centímetros de diâmetro.
Essas alterações não apenas modificam a paisagem, mas influenciam diretamente na capacidade de resistência do bioma a secas e queimadas. O cerradão, ao contrário do Cerrado aberto, mostra-se mais vulnerável a esses eventos, dado que o excesso de biomassa torna o solo incapaz de reter umidade suficiente, essencial para a sobrevivência das árvores em períodos de estiagem prolongada.
Diante do atual cenário de crise climática global, com um aumento no registro de eventos extremos, a manutenção desse acúmulo de biomassa pode levar ao colapso do bioma, retornando o carbono fixado pelas árvores à atmosfera e aumentando a probabilidade de incêndios catastróficos. Nesse contexto, o cerradão não se apresenta adaptado ao fogo e, caso atingido por incêndios em condições extremas, pode se comportar como uma floresta degradada.
As implicações dessas descobertas são amplas. A transformação em curso afeta não apenas a estrutura do Cerrado, mas também sua funcionalidade e a oferta de serviços ecossistêmicos. A biodiversidade única do bioma está sob ameaça, com espécies típicas da savana progressivamente desaparecendo e dando lugar a espécies de floresta e generalistas mais adaptadas à sombra. As condições sombreadas provenientes do adensamento do cerradão são especialmente hostis para as espécies de savana, apontando para uma direção de mudança desfavorável à conservação da flora endêmica do Cerrado.
Em face dessas evidências, a necessidade de implementação de práticas de manejo mais eficazes e o estabelecimento de políticas públicas direcionadas para a conservação do Cerrado se tornam imperativas. Sem a ação adequada, esse bioma tão diverso e já consideravelmente fragilizado, pode sofrer mudanças irreparáveis, afetando não apenas a biodiversidade local, mas também a estabilidade climática e ambiental da região e do país.
O estudo reflete um alerta para a gestão ambiental e a necessidade urgente de revisão das estratégias de conservação do Cerrado, considerando os novos desafios impostos pela aceleração das mudanças climáticas e suas consequências imediatas e futuras para esse importante bioma brasileiro.
Fonte: Tree community dynamics in the cerradão (2002-2016): A case of biome shift