Tomé-Açu, o modelo sustentável da Amazônia inspirado por tradições japonesas

No interior do Pará, em Tomé-Açu, uma inesperada fusão de culturas trouxe mais do que diversidade linguística para o coração da Amazônia – ela gerou um modelo de produção agrícola sustentável que hoje serve de referência para o mundo. A colônia japonesa que se estabeleceu na região, gravemente atingida por uma praga nas plantações na década de 1970, hoje é um exemplo de resiliência e inovação.

O engenheiro florestal japonês Noboru Sakaguchi, na ocasião diretor da cooperativa dos agricultores locais, foi o proponente de uma mudança significativa: a adoção da diversidade da Floresta Amazônica como modelo para a agricultura, em contraste com o cultivo em monocultura praticado até então. Orientados por Sakaguchi, os agricultores aprenderam com os ribeirinhos e começaram a cultivar uma variedade de espécies frutíferas e de grande porte, transformando terras degradadas em áreas repletas de biodiversidade.

A fazenda de Michinori Konagano, membro da colônia e um dos principais seguidores dessa prática, é um verdadeiro mosaico de agroflorestas, onde a diversidade na produção inclui cacau, açaí, cupuaçu, pitaya, madeira e óleos vegetais. A adoção desse sistema não apenas revitalizou os campos degradados e atraiu de volta a fauna local, mas também diversificou as fontes de receita dos agricultores, trazendo prosperidade e sustentabilidade.

Esta visão multifacetada da relação do ser humano com a terra ecoa a sabedoria dos ribeirinhos e resgata práticas agrícolas japonesas ancestrais, relacionadas com o conceito de ‘mottainai’, que lamenta o desperdício e encoraja a máxima utilização de recursos naturais. Técnicas simples, como a utilização de resíduos de frutos na adubação do solo, demostram um alinhamento com princípios de sustentabilidade.

O sucesso do Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu (Safta) chama a atenção de pesquisadores e agricultores ao redor do globo. Osvaldo Kato, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, destaca as vantagens econômicas e ambientais dessas agroflorestas, como a recuperação de solos esgotados, a absorção significativa de carbono e o aumento da biodiversidade. Apesar dos desafios tecnológicos e fundiários para a expansão desse modelo, ele ressalta o potencial de adoção, principalmente entre agricultores familiares.

Entretanto, a transmissão desse legado enfrenta barreiras, com a nova geração de nipo-brasileiros muitas vezes escolhendo caminhos diferentes dos de seus pais e avós. Ainda assim, a essência do conhecimento compartilhado pela comunidade japonesa em Tomé-Açu permanece viva, possibilitando que essa experiência singular de bioeconomia continue a inspirar e a moldar práticas agrícolas sustentáveis pelo mundo.


Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cpw3pg99l8vo

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