Projeto fortalece protagonismo indígena na bioeconomia do Mato Grosso

Um projeto multidisciplinar liderado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em colaboração com a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Embrapa Alimentos e Territórios, avança na integração entre ciência e saberes tradicionais ao ser selecionado em uma chamada pública da Iniciativa Amazônia+10. Dentre 191 propostas inscritas, o projeto está entre os 22 aprovados, com financiamento compartilhado num total de R$ 76 milhões. A pesquisa trabalha com foco na bioeconomia indígena e na redução da insegurança alimentar na região da Amazônia Legal.

Intitulada “Aproveitamento integral de frutos e tubérculos da região da Amazônia Legal – estratégia para fomentar a bioeconomia, resgate de costumes e redução da insegurança alimentar dos povos originários do estado de Mato Grosso”, a iniciativa propõe a valorização de espécies vegetais nativas e subutilizadas por meio do fortalecimento de cadeias produtivas locais em territórios indígenas. A zona de implementação é a Terra Indígena Tirecatinga, no município de Sapezal (MT), uma área multiétnica habitada por cinco etnias: Terena, Paresí, Nambikwara, Manoki e Rikbaktsa.

Coordenado pela professora Maressa Caldeira Morzelle (UFMT), o projeto contempla uma equipe composta por especialistas em ciência dos alimentos, agroecologia, comunicação, políticas públicas e etnociência. O diferencial está na abordagem que reconhece os povos originários como agentes ativos do processo de desenvolvimento, reforçando sua autonomia e saberes ancestrais. “Não tratamos essas comunidades como beneficiárias, mas como protagonistas”, destacou Morzelle.

A proposta científica foca no uso integral de frutos e tubérculos nativos e pouco explorados comercialmente, apontando para a criação de tecnologias comunitárias que aliem sustentabilidade ambiental e segurança alimentar. A recuperação de práticas alimentares ancestrais é encarada não apenas como reconexão cultural, mas também como estratégia de resiliência socioeconômica frente aos desafios atuais nos territórios indígenas.

Segundo o pesquisador Moacir Haverroth (Embrapa), a iniciativa fortalece o uso sustentável dos recursos naturais, promovendo simultaneamente a conservação da sociobiodiversidade e a transmissão intergeracional de conhecimentos. Haverroth destaca que o trabalho integra ações práticas de valorização dos modos de vida tradicionais com ferramentas científicas adaptadas à realidade local.

Como parte das atividades previstas, estão planejadas expedições científicas às áreas indígenas envolvidas no projeto. Esses deslocamentos de campo permitirão a coleta de dados, a documentação da biodiversidade alimentar e o desenvolvimento de protocolos que combinem ciência e tradição na transformação de matérias-primas locais em produtos alimentares seguros, nutritivos e comercializáveis.

Outro aspecto relevante do projeto é o estímulo à formação de capacidades locais, com envolvimento direto das comunidades indígenas em todas as etapas — da colheita ao processamento. Isso amplia a autonomia tecnológica e favorece o surgimento de soluções adaptadas às necessidades e valores culturais dos povos envolvidos.

A escolha da Terra Indígena Tirecatinga como área-piloto busca alavancar modelos replicáveis de bioeconomia de base comunitária, reforçando o protagonismo dos povos indígenas na formulação de alternativas produtivas sustentáveis. Ao posicionar esses territórios como centros de inovação social, o projeto aponta para a articulação entre valorização cultural e desenvolvimento econômico ancorado no uso responsável da biodiversidade.

Embora ainda em fase inicial, os pesquisadores esperam que os resultados do projeto possam influenciar políticas públicas voltadas à soberania alimentar e à gestão territorial indígena na Amazônia Legal. A sinergia entre práticas ancestrais e métodos científicos tem potencial não apenas de diversificar as fontes de renda locais, mas também de contribuir para debates amplos sobre o papel das populações tradicionais na construção da bioeconomia brasileira.

Fonte: Projeto da UFMT, UFG e Embrapa apoia bioeconomia indígena

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