O recente plano do governo do Reino Unido para alcançar a neutralidade de carbono por meio do aumento do uso de biomassa chamou a atenção pelos motivos errados. A proposta prevê a importação de biomassa de países como Coreia do Norte e Afeganistão, gerando críticas e provocando debates fervorosos sobre a eficácia e a ética dessa abordagem estratégica.
Atualmente, cerca de um terço da biomassa utilizada no Reino Unido é importada. Em 2021, apenas de pellets de madeira, 9,1 milhões de toneladas vieram do exterior, com a maior parte desse montante originando da América do Norte e da União Europeia. O avanço necessário para que a biomassa tenha um papel fundamental na descarbonização até 2050 exigiria uma ampliação significativa das importações, superando a oferta disponível nessas regiões. Isso levou o governo a identificar novos potencias fornecedores, gerando um debate em torno da viabilidade e das implicações dessa dependência externa.
Críticos, como Mary Booth do Partnership for Policy Integrity, chamam atenção para a lista de possíveis fornecedores, destacando a improbabilidade de países como Butão e Maldivas fornecerem volumes significativos de biomassa. Além disso, apontam para os riscos das mudanças no uso da terra e a sobrecarga das projeções agrícolas num cenário de agravamento das mudanças climáticas, que já desafiam a segurança alimentar em regiões afetadas por fracassos climáticos.
Outro aspecto que alimenta a polêmica é a dúvida sobre a real capacidade da biomassa em reduzir emissões de gases de efeito estufa. Cientistas e ambientalistas contestam a alegação de que a queima de madeira seja neutra em carbono, argumentando que o tempo necessário para o replantio das florestas não acompanha a rapidez com que o carbono é emitido.
A discussão se amplia ao incluir a validade das técnicas de captura e armazenamento de carbono, defendidas pelo operador da Drax, a maior usina de energia do Reino Unido, que ainda busca real apoio do governo para implantar um sistema eficaz nessas operações. Essa tecnologia é vista como vital para neutralizar as emissões geradas pelo uso da biomassa, mas suas viabilidades prática e econômica são incertas.
Além de considerar o déficit de biomassa disponível e os problemas ecológicos associados, há preocupações com o impacto da exploração em grande escala sobre a biodiversidade e a saúde do solo, tanto no Reino Unido quanto nos países exportadores. O respeito pelos direitos das populações indígenas também emerge como um ponto crucial, sugerindo possíveis violações durante a expansão das áreas de cultivo de energia.
Em resposta às críticas e à pressão legal, o governo britânico e o Departamento de Energia anunciaram planos para desenvolver um quadro de sustentabilidade mais abrangente para garantir a conformidade da biomassa com padrões rígidos. No entanto, o efeito prático dessas medidas sobre a estratégia nacional ainda é uma incógnita.
Com a combinação dos desafios climáticos e a complexidade das soluções propostas, o Reino Unido encontra-se em um dilema delicado. A abordagem à biomassa como parte do plano para alcançar a meta de zero emissões líquidas até 2050 está sob escrutínio, exigindo reavaliações que incorporam uma visão mais ampla e sustentável da bioeconomia.