Resíduos industriais viram óleos funcionais aplicados em tecidos com proteção UV e efeito antioxidante

Uma equipe portuguesa de pesquisadores investigou uma abordagem sustentável e eficaz para a valorização de resíduos industriais por meio da extração de óleos funcionais e sua aplicação em têxteis com propriedades antioxidantes, repelência à água e proteção contra raios UV. No estudo publicado na revista Recycling, foram utilizadas cascas de castanha (chestnut hedgehogs), talos de plantas de tabaco, podas de videiras e bagaço de cervejaria para extrair óleos ricos em compostos fenólicos, empregando pré-tratamentos enzimáticos em meio aquoso como alternativa aos solventes orgânicos convencionais.

O método, baseado no uso de enzimas como celulase, pectinase e xilanase, buscou melhorar os rendimentos de extração e a concentração de compostos bioativos. Os melhores resultados foram observados com as cascas de castanha, onde a combinação das enzimas celulase e xilanase proporcionou uma extração de óleo com concentração de compostos fenólicos de aproximadamente 1968 mg GAE/g de biomassa. Esse mesmo resíduo apresentou rendimento de óleo de até 149 mg/mL de extrato, um aumento de 30% em relação ao controle sem enzimas.

Na sequência, os óleos extraídos foram incorporados a uma formulação hidrossolúvel aplicada em tecidos de algodão por meio da técnica pad-dry-cure, prática já usada amplamente pela indústria têxtil. Os tecidos resultantes apresentaram atividades antioxidantes de até 40% e fator de proteção ultravioleta (UPF) de 30, classificados como de boa proteção segundo a norma australiana AS/NZS 4399:2017. Ainda, os tecidos tratavam-se de superhidrofóbicos, com contact angle superior a 150°, no caso das amostras com óleo de casca de castanha, mantendo essa propriedade mesmo após lavagem.

Os talos de tabaco também se destacaram. Com pré-tratamento com pectinase, observaram-se aumentos no rendimento de óleo de até 140% em relação ao controle. A atividade antioxidante alcançada com esse óleo foi superior a 60%, reforçando seu potencial para aplicação funcional em tecidos. A performance em termos de UPF também foi elevada, equiparando-se à dos tecidos tratados com óleo de castanha.

Os resultados mostraram que a granulometria da biomassa e o percentual de sólidos influenciam significativamente a eficiência do processo. Embora partículas menores tendam a elevar a extração, aqueles com diâmetro de 0,25 mm sofreram aglomeração em algumas condições, o que prejudicou o rendimento. Já percentuais de biomassa maiores, como 30%, se mostraram inviáveis por absorverem completamente a solução, inviabilizando a extração.

A aplicação direta dos óleos em uma matriz comercial de amido catiônico, sem necessidade de encapsulamento ou nanopartículas, representa um avanço relevante. Apesar disso, a lavagem ainda compromete algumas propriedades funcionais nas aplicações com resíduos diferentes da castanha, o que indica a necessidade de abordagens complementares, como o uso de reticulantes naturais ou técnicas de encapsulamento para garantir a durabilidade das funcionalidades.

Outro ponto de destaque do estudo é a convergência entre setores agroindustriais e a indústria têxtil, por meio de uma cadeia circular que transforma resíduos da agricultura e alimentícia em insumos funcionais para produtos têxteis. Os autores apontam que a metodologia pode ser incorporada com facilidade por empresas da indústria de acabamento têxtil por utilizar apenas água e enzimas, respeitando as normas ambientais da União Europeia, especialmente o regulamento REACH.

Com a escassez global de matérias-primas e a pressão para reduzir o impacto ambiental da indústria têxtil, este trabalho se destaca não apenas por apresentar uma tecnologia viável, com propriedades funcionais comprovadas, mas também por abrir caminhos para a valorização industrial de resíduos pouco explorados, como a casca de castanha.

Em desdobramentos futuros, os autores sugerem testar o efeito de pectinase em resíduos como a casca de castanha e as videiras, além de aumentar a concentração de óleo nas formulações para intensificar as propriedades antioxidantes dos tecidos tratados.

Fonte: Bioeconomy in Textile Industry: Industrial Residues Valorization Toward Textile Functionalization

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