Três narrativas distintas estão moldando a política de planejamento costeiro e o futuro da aquicultura na Noruega: o planejamento como ferramenta de sustentabilidade, a transição verde e a ambição de posicionar o país como líder global em governança oceânica. Essa foi a conclusão de uma análise de documentos políticos nacionais, que demonstra como o conceito de “crescimento azul” vem sendo usado para promover agendas econômicas e políticas no país.
O estudo parte da constatação de que o termo “crescimento azul” é propositalmente vago. Essa ambiguidade permite que diferentes atores — governos, empresas e organizações — explorem definições estratégicas e justificações para intervenções no espaço marinho. No caso norueguês, os discursos oficiais frequentemente associam o crescimento azul a soluções sustentáveis e inovadoras, ainda que o foco central permaneça no crescimento econômico da indústria de salmão.
Os documentos oficiais analisados apresentam o planejamento costeiro como um meio para organizar o uso do território marinho de forma sustentável. Diretrizes e circulares instruem as autoridades municipais a garantirem espaço para a aquicultura industrial, mesmo diante de potenciais conflitos com a pesca tradicional e preocupações ambientais. Embora as menções a “conflitos” apareçam raramente, termos como “considerações” e “desafios” são usados para suavizar disputas reais de uso do espaço marinho.
A transição verde surge como nova justificativa. Governos e ministérios promovem a ideia de que o crescimento da aquicultura é parte de uma transformação ecológica, enfatizando tecnologias mais limpas e produção eficiente de alimentos. Contudo, o estudo alerta para o risco de “blue washing”, quando práticas ambientalmente problemáticas são retratadas como sustentáveis apenas por estarem inseridas em um discurso técnico e modernizador.
Surpreendentemente, segundo o autor da pesquisa, até mesmo o Ministério do Meio Ambiente da Noruega prioriza o potencial econômico do crescimento azul, relegando a segundo plano suas obrigações quanto à proteção de ecossistemas marinhos. A biodiversidade marinha, por exemplo, é minimamente abordada nos documentos analisados do ministério.
Numa terceira narrativa, a aquicultura é apresentada não apenas como uma resposta às mudanças climáticas, mas como uma ferramenta para posicionar a Noruega como potência global na produção de alimentos. O governo utiliza sua liderança no Painel de Oceanos da ONU e dados do setor para defender que o país poderá ajudar a “alimentar o mundo” com salmão. Essa retórica, segundo o artigo, legitima a expansão da indústria e fortalece o papel político e econômico da Noruega em fóruns internacionais.
Porém, o estudo questiona até que ponto essa narrativa está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. A produção de salmão norueguês destina-se principalmente a mercados de alto poder aquisitivo e não contribui diretamente para o combate à fome global. Também não resolve os desafios ambientais do setor, como a dispersão de parasitas e a poluição gerada por rações e resíduos orgânicos.
O autor conclui que os discursos de planejamento sustentável, transição verde e liderança internacional funcionam como instrumentos retóricos para legitimar a expansão da aquicultura e a influência da Noruega nas políticas oceânicas. Ao mesmo tempo, interesses ambientais e comunitários tendem a ser marginalizados, especialmente nos níveis locais e regionais, sobre os quais recai a responsabilidade de equilibrar os diversos interesses apontados pelas autoridades nacionais.
O texto recomenda que o Ministério do Meio Ambiente assuma um papel mais ativo na defesa da biodiversidade marinha, equilibre melhor as prioridades econômicas e ambientais e reoriente o discurso relacionado à contribuição da aquicultura norueguesa para a segurança alimentar global.
Por fim, a análise sugere que mais pesquisas empíricas sejam conduzidas para entender como esses discursos nacionais estão influenciando, de fato, os processos de planejamento territorial nos municípios costeiros noruegueses.