Uma expedição científica ímpar adentrou as elevações inexploradas da serra do Imeri, no norte do Amazonas, e trouxe à luz a possibilidade de novos paradigmas em biodiversidade. Os pesquisadores, entre eles 12 brasileiros e dois estrangeiros, passaram 11 dias em novembro coletando amostras que podem redefinir o entendimento sobre o parentesco entre espécies de áreas altas do norte da América do Sul.
A região, com altitude de até 2.450 metros e repleta de vegetação distinta como bromélias, e um ecossistema constantemente envolto em neblina, sinaliza um habitat para espécies até então desconhecidas. Ao liderar a expedição, o zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues, reconhecido por quase quatro décadas de trabalho de campo, se deparou com uma quantidade significativa de espécies potencialmente novas — entre lagartos e pererecas — possivelmente nunca descritos pela ciência.
No cenário desafiador da serra do Imeri, os biólogos se depararam com uma diversidade biológica distintamente endêmica, consequência das adaptações ao solo pedregoso e às grandes oscilações de temperatura, característicos das altitudes elevadas. Este cenário, segundo os cientistas, representa muito menos diversidade que nas florestas baixas vizinhas, mas é um estudo fundamental para a compreensão da evolução da vida em ambientes isolados.
A pesquisa botânica realizada pelas cientistas Lúcia Lohmann e Rafaela Forzza sugere que a serra pode ter sido berço de diversas linhagens botânicas. O estudo de angiospermas na região pode lançar luz sobre caminhos evolutivos que ligam a biodiversidade da serra às ricas florestas da Mata Atlântica e à Amazônia.
Além da coleta de espécies vegetais e animais, como os pequenos mamíferos cujo isolamento em pontos altos é um fenômeno relativamente recente em termos geológicos, a expedição também revelou dados importantes acerca da resiliência climática da fauna local. Experimentos conduzidos pelo zoólogo Agustin Guerrero mostraram que os répteis e anfíbios da serra do Imeri possuem uma baixa tolerância a elevações de temperatura, o que denuncia uma vulnerabilidade dessas espécies a mudanças ambientais.
A robustez da operação, que contou com apoio do Exército Brasileiro, não apenas garantiu o sucesso das coletas biológicas, mas também deu ênfase à importância do estudo de patógenos, conduzido por Bruno Fermino, que relatou espécies inéditas de protozoários. Este achado, ligado ao vasto histórico evolutivo dos Trypanosoma, traz implicações diretas à saúde pública, dados os impactos conhecidos destes protozoários em seres humanos.
O desafio logístico enfrentado pela equipe multidisciplinar somente realça a relevância das descobertas feitas na expedição, que foi meticulosamente documentada e cujas amostras são agora estudadas por especialistas em diversos países. Este empreendimento marca não apenas um feito científico de extrema importância para a compreensão da bioecologia da região amazônica, mas também reforça o papel integral do Brasil no estudo e na valorização de seus biomas e na colaboração internacional pela biodiversidade.