O crescimento da demanda por alimentos tem levado ao aumento da agricultura e, consequentemente, ao desmatamento de áreas anteriormente florestadas. Embora o desflorestamento agrícola seja amplamente considerado uma grande ameaça à biodiversidade global, um novo estudo revela que seus impactos na biodiversidade apresentam diferenças geográficas inerentes e previsíveis.
Um estudo global liderado pela Universidade de Pequim, em colaboração com 49 instituições, apresenta uma nova perspectiva sobre como os diferentes ecossistemas respondem à deflorestação agrícola. Além das características ‘naturais’ das paisagens agrícolas, fatores como variabilidade ambiental natural e história agrícola longa contribuem para a formação de comunidades de aves mais tolerantes à deflorestação.
A pesquisa, intitulada ‘Ecological filtering shapes the impacts of agricultural deforestation on biodiversity’, foi publicada na revista Nature Ecology & Evolution e sugere que os ambientes naturais variáveis e as longas histórias de agricultura em determinadas regiões tendem a suportar comunidades de aves mais resistentes à deflorestação. Segundo Fangyuan Hua, da Universidade de Pequim e co-líder do estudo, condições ambientais naturais e influências humanas passadas atuaram como filtros, selecionando espécies com maior tolerância à deflorestação agrícola.
A ‘filtragem ecológica’ pela história agrícola é uma explicação plausível quando consideramos eventos passados como a extinção da megafauna da América do Norte, vinculada à chegada dos humanos pré-históricos. De forma similar, eventos passados de desflorestação podem ter causado a extinção de certas espécies ou sua adaptação à deflorestação, implicando que as espécies que sobreviveram possuem maior tolerância à deflorestação atual.
Weiyi Wang, co-autora e ex-assistente de pesquisa do grupo de Hua, enfatiza que comunidades de aves em regiões com milhares de anos de histórias agrícolas tendem a ser mais tolerantes à deflorestação agrícola do que aquelas em regiões recentemente expostas à agricultura, como a Amazônia. O estudo também considerou a adaptabilidade das aves a florestas sazonais, que perdem periodicamente suas folhas, como um fator que poderia torná-las mais adaptadas à deflorestação.
Utilizando um banco de dados de 71 comunidades regionais de aves e 2.647 espécies, os autores conseguiram testar se as condições ambientais e a história agrícola poderiam explicar a variação global na gravidade dos impactos da deflorestação agrícola na biodiversidade. Foram identificados ‘traços funcionais’ que influenciam a tolerância das espécies à deflorestação, tais como tamanho do corpo, preferência de habitat e dieta.
As espécies avícolas tolerantes à deflorestação tendem a ser menores, migratórias, menos dependentes de florestas maduras e menos exigentes com recursos alimentares. Essas características são mais comuns em aves encontradas em regiões com ambientes naturais mais variáveis e histórias agrícolas mais extensas.
O estudo conclui que a diversidade de comunidades de aves mundiais em relação à deflorestação agrícola é geograficamente diferenciada e previsível, transcendendo a simples ‘naturalidade’ das paisagens agrícolas. No entanto, muitas áreas previstas para futura deflorestação agrícola estão em regiões de ‘alto impacto’, o que pressagia severas consequências para a biodiversidade de futuras expansões agrícolas.
Os resultados do estudo salientam a importância de conservar as florestas intactas existentes e o planejamento proativo do uso da terra agrícola para reduzir a desflorestação em regiões sensíveis. A conservação de florestas intactas é crucial para evitar a perda e filtragem de espécies sensíveis, o que poderia contribuir ainda mais para a erosão da biodiversidade.
Fonte: F. Hua, W. Wang, S. Nakagawa, et al., “Ecological filtering shapes the impacts of agricultural deforestation on biodiversity,” Nat Ecol Evol, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41559-023-02280-w