Apesar de uma década de políticas e investimentos, a bioeconomia da União Europeia continua profundamente enraizada em sistemas de produção lineares. Essa é a principal conclusão de um estudo abrangente que avaliou o estado atual da bioeconomia europeia e propôs um novo enquadramento conceitual baseado nos princípios da economia circular.
Segundo o levantamento, a maior parte da produção biológica da UE — proveniente principalmente da agricultura, responsável por mais de 50% da biomassa anual de 1,1 bilhão de toneladas de matéria seca — ainda opera dentro de cadeias que extraem, utilizam e descartam, sem reintegração significativa de resíduos ou subprodutos. O uso primário da biomassa segue voltado à produção de alimentos e rações, com setores como energia bioeconômica e materiais biobaseados ocupando fatias secundárias.
Em termos econômicos, a bioeconomia da UE gera um valor anual estimado em 657 bilhões de euros e emprega cerca de 17,4 milhões de pessoas, com o setor agrícola concentrando metade desse total. Contudo, a participação relativa de indústrias mais avançadas, como bioplásticos, biocombustíveis e bioquímicos, permanece marginal. Entre 2008 e 2019, o número total de empregos caiu, ao passo que o valor agregado cresceu, sinalizando um avanço em produtividade, mas sem uma correspondente transformação estrutural dos sistemas produtivos.
O estudo destaca que, para viabilizar uma transição para uma bioeconomia circular, será necessário reconfigurar esse modelo linear. Isso exige investimentos em biorrefinarias, estímulos à produção local de matérias-primas sustentáveis — incluindo cultivos perenes e algas — e desenvolvimento de cadeias de valor baseadas no aproveitamento de resíduos orgânicos.
Pesquisadores defendem que a estratégia atual da UE, por ser excessivamente ampla, perde eficácia ao tentar agregar setores com impactos ambientais e sociais diversificados. Com isso, recomendam o desenvolvimento de um enquadramento mais restrito e circular, com metas e instrumentos específicos para segmentos como industria bioquímica e gestão de biorresíduos urbanos. A clareza conceitual se torna ainda mais urgente diante da atualização da Estratégia Europeia de Bioeconomia, atualmente em elaboração.
Outro ponto crítico identificado é a baixa taxa de circulação de materiais na economia europeia: apenas 11,5% dos insumos são provenientes de produtos reciclados ou recuperados. Para superar esse gargalo, os autores sugerem a expansão de modelos de negócios circulares de base biológica, especialmente os de pequena escala e com forte conexão local, capazes de captar recursos biológicos regionais e atender demandas locais.
O estudo menciona, por exemplo, iniciativas como a produção de canudos biodegradáveis de trigo (Staramaki), o uso de algas cultivadas em águas residuais (ALGEN), e a fabricação de bioplásticos a partir de resíduos orgânicos (Natureplast), como demonstrações de viabilidade técnica e potencial escalável. No entanto, ressalta que essas soluções ainda enfrentam dificuldades de financiamento, falta de infraestrutura logística e barreiras regulatórias para substituírem modelos convencionais.
Para orientar essa transição, o artigo propõe que políticas futuras da UE priorizem matérias-primas sustentáveis, eficiência em processos produtivos e infraestruturas circulares. Além disso, sugere implementar um sistema robusto de indicadores que permita distinguir entre bioeconomia linear e circular, dando visibilidade às transformações reais das cadeias de valor.
Por fim, os autores reiteram a necessidade de mais pesquisas voltadas para compreender as barreiras à adoção de soluções biobaseadas circulares e de aprofundar a integração dos conceitos de bioeconomia e economia circular nas estratégias nacionais dos Estados-membros. Isso será essencial para harmonizar os esforços locais com os objetivos climáticos e ecológicos do Pacto Verde Europeu.
Fonte: A review of the EU bioeconomy: concepts, current state and the transition to a circular bioeconomy