A extinção silenciosa de aves, mamíferos e peixes dispersores de sementes está comprometendo a restauração florestal e ameaçando a capacidade dos ecossistemas de enfrentar mudanças climáticas. Essa é a principal conclusão de um artigo publicado por um grupo internacional de cientistas na Nature Reviews Biodiversity, que alerta para os impactos diretos da perda desses animais na funcionalidade e resiliência dos biomas tropicais e temperados.
Mais de 90% das árvores da Amazônia e da Mata Atlântica, além de 60% das do Cerrado, dependem de animais para se reproduzir por meio da dispersão de sementes. O papel desses animais vai além de espalhar sementes: eles são fundamentais para manter a regeneração natural, o fluxo genético e o armazenamento de carbono. No entanto, ações humanas como desmatamento, fragmentação de hábitats e caça estão reduzindo drasticamente a diversidade e abundância dessas espécies.
Segundo o ecólogo Mauro Galetti, do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), os dispersores de sementes são os verdadeiros responsáveis por ‘plantar carbono’. “Uma copaíba só nasce onde há tucanos e macacos para carregar suas sementes. Sem esses animais, a floresta não se regenera como deveria”, afirma. A exclusão dos frugívoros dos projetos de restauração pode, portanto, comprometer objetivos globais de mitigação climática.
O artigo apresenta dados de campo e modelos ecológicos apontando para uma redução média global de até 60% na dispersão de sementes em áreas onde aves e mamíferos foram extintos ou reduzidos. Essa perda traz consequências em múltiplas escalas, como a diminuição da diversidade vegetal, alterações no ciclo do carbono e maior vulnerabilidade a eventos ambientais extremos, como secas prolongadas e incêndios florestais.
O processo ecológico da dispersão é intricado. Ao consumir frutos, os animais não só transportam sementes para locais distantes da planta-mãe, mas também facilitam a germinação, ao danificá-las fisicamente ou submetê-las ao processo digestivo. Isso aumenta a taxa de germinação e o estabelecimento de mudas em locais mais favoráveis. A ausência de dispersores torna muitas espécies vegetais incapazes de se reproduzir eficazmente, como no caso emblemático da castanha-do-pará, cuja semente depende exclusivamente da cutia.
Peixes como pacus e tambaquis também ocupam papel central nesse processo, especialmente em ecossistemas alagáveis da Amazônia e do Pantanal. Esses animais percorrem grandes distâncias e contribuem com a dispersão de diversas espécies vegetais ao longo das matas ciliares. Mas sua importância tem sido negligenciada nas políticas de conservação.
O estudo também compara o declínio dos dispersores de sementes com o dos polinizadores, como abelhas. Embora ambos estejam em risco, os impactos no caso dos polinizadores são mais evidentes e imediatos, afetando diretamente a agricultura. Já a perda dos dispersores compromete a regeneração das florestas em escalas temporais e espaciais mais amplas, o que dificulta a mensuração de seus efeitos pela sociedade e pelos formuladores de políticas.
Os autores alertam que o fracasso em lidar com o declínio desses animais pode levar à inefficácia de estratégias de restauração ambiental e de créditos de carbono. Eles recomendam a adoção de ações de refaunação direcionada — isto é, reintrodução ou conservação ativa de populações dispersoras — como ferramenta crucial para restaurar a funcionalidade ecológica em áreas degradadas.
Apesar da importância crítica desse serviço ecossistêmico, os custos econômicos globais da perda dos dispersores de sementes ainda não foram plenamente estimados. Galetti lembra que reflorestar não significa apenas plantar árvores: “É preciso garantir quem irá manter essa floresta viva.” A perda desse elo entre fauna e flora pode significar o fracasso das metas ambientais mesmo onde há investimentos significativos em restauração.
Com base nas evidências apresentadas, o artigo reforça que integrar a conservação da fauna frugívora em políticas florestais é essencial para garantir florestas funcionais, conectadas e resilientes. Ignorar essa dimensão pode minar décadas de esforços globais para mitigar a crise climática e ecológica.