Em um estudo publicado em 06 de novembro de 2023 na Nature Sustainability, pesquisadores discutem a possibilidade de produzir alimentos sem a necessidade de práticas agrícolas convencionais, oferecendo uma alternativa com potencial para reduzir significativamente o impacto ambiental do sistema alimentar atual. Esta pesquisa analisa o potencial de síntese química e biológica de nutrientes comestíveis sem matérias-primas agrícolas e estima suas implicações em emissões de gases de efeito estufa (GHGs) e uso de terra.
No contexto da bioeconomia e sustentabilidade, o estudo mostra que gorduras dietéticas poderiam ser sintetizadas emitindo menos de 0,8 g de CO2-eq por quilocaloria (kcal), uma cifra bem menor que as emissões associadas à produção de óleo de palma no Brasil ou na Indonésia, que ultrapassam 1,5 g de CO2-eq por kcal. Esta comparação destaca o potencial de métodos alternativos de produção de alimentos para mitigar a pegada ambiental da agricultura.
A equipe de pesquisadores destaca que as enormes quantidades de alimentos produzidos pela agricultura global resultam no uso extensivo de terras, água, e na emissão de GHGs. Esforços sustentáveis têm se concentrado em reduzir a demanda por alimentos que exigem muitos recursos, empregar métodos de produção agrícola mais eficientes e melhor uso dos alimentos já produzidos. No entanto, a ideia de produzir alimentos sem a agricultura tem recebido menos atenção e recursos.
Apesar de inovadora, a ideia de produzir alimentos de maneira não agrícola não é novidade. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, químicos alemães sintetizaram uma margarina à base de carvão. Mais recentemente, diversas pesquisas acadêmicas e empreendimentos comerciais têm demonstrado que moléculas comestíveis podem ser sintetizadas a partir de processos químicos e biológicos sem depender de insumos agrícolas.
Ao considerar as vias químicas e biológicas para a síntese de alimentos, os pesquisadores observam que a quiralidade (diferença entre as formas molecularmente espelhadas) é uma linha divisória importante. Enquanto os métodos químicos acessam regimes econômicos de temperatura, pressão e constante de equilíbrio, eles enfrentam desafios para distinguir entre as formas moleculares l e d. Já as técnicas bioenzimáticas oferecem mecanismos para instalação de grupos funcionais específicos, mas operam dentro das condições em que a vida existe, limitando algumas possibilidades.
Embora o estudo se concentre nos aspectos técnicos e ambientais de produzir alimentos sintéticos, também são exploradas as potenciais implicações socioeconômicas. A agricultura emprega cerca de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, o que representa um desafio para a transição para essa nova forma de produção alimentar. No entanto, os autores observam que o tamanho do setor agrícola de uma economia tende a diminuir conforme ela prospera, e políticas proativas podem ajudar a minimizar as interrupções e facilitar uma transição justa.
O estudo reforça o potencial dos alimentos sintetizados quimicamente para reduzir as emissões de GHGs e o uso da terra, destacando oportunidades econômicas e ambientais que exigem análises mais detalhadas, dada a complexidade da produção de alimentos e as barreiras, incluindo a aceitação social e os desafios associados aos custos. Mesmo assim, os autores destacam que os benefícios climáticos de gorduras sintéticas não dependem de sistemas completamente livres de combustíveis fósseis; culturas oleaginosas da África Subsaariana têm uma intensidade de GHGs maior do que gorduras sintéticas produzidas com eletricidade de carvão. A produção sustentável de alimentos sintéticos dependeria, portanto, de energia renovável e carbono atmosférico.