Em uma colaboração científica que representa um marco no combate à esquistossomose, pesquisadores do Instituto Butantan e do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) utilizaram uma abordagem molecular de ponta, culminando na identificação de novos candidatos vacinais contra o parasita Schistosoma mansoni, responsável pela doença que afeta milhões globalmente.
Por meio de uma técnica avançada chamada phage display, o grupo científico alcançou uma representatividade impressionante de 99,6% das proteínas do Schistosoma, expressando 119.747 peptídeos e alcançando uma cobertura quase total do proteoma do patógeno. O estudo, que posiciona o Brasil em um lugar de destaque na pesquisa de doenças tropicais negligenciadas, visa endereçar a enfermidade que é um desafio de saúde pública em regiões com condições sanitárias precárias, incluindo vários estados do Nordeste brasileiro e Minas Gerais.
A pesquisa, cujos resultados foram divulgados na prestigiosa revista NPJ Vaccines, seguiu os passos de uma investigação anterior que revelou como macacos rhesus desenvolvem imunidade duradoura após infecção pelo Schistosoma, fornecendo pistas sobre o mecanismo de resistência do organismo a reinfecções. O diferencial da abordagem atual é o mapeamento total das proteínas do parasita e a identificação das que são alvo da resposta imune dos macacos, após infecção e reinfecção, abrindo caminho para a concepção de uma vacina eficaz.
O pesquisador Murilo Sena Amaral e o professor Sergio Verjovski Almeida, além de seu grupo de pesquisa, contaram com o suporte da FAPESP e foram os artífices por trás dessa inovação, que propicia novos entendimentos das interações imunológicas e potencia a criação de terapias profiláticas.
O processo experimental envolveu a imunoprecipitação de fagos seguida de sequenciamento (PhIP-Seq), permitindo uma triagem eficiente dos anticorpos produzidos por macacos rhesus em resposta à infecção. Os pesquisadores então construíram uma biblioteca de fagos que expressam as proteínas do Schistosoma, detectando epítopos imunorreativos nas fases iniciais e tardias da infecção. Com a ajuda de ferramentas de bioinformática, esses peptídeos foram analisados para identificar os mais promissores candidatos a vacinas.
Em um experimento subsequente, camundongos foram imunizados com peptídeos exibidos nos fagos, demonstrando uma significativa diminuição da carga parasitária. Esses resultados encorajadores não apenas reforçam a possibilidade de desenvolver uma vacina contra a esquistossomose, mas também delineiam a viabilidade da técnica do phage display para ser aplicada a outras doenças parasitárias.
Além do avanço na busca por uma vacina, o grupo de pesquisa também identificou mecanismos para impedir a proliferação dos vermes causadores da esquistossomose, destacando o silenciamento de RNA não codificadores como um método promissor de tratamento. Diante destes importantes progressos, o Instituto Butantan já iniciou o processo de registro de patente para as descobertas relacionadas aos potenciais alvos vacinais.
Em paralelo, esforços continuarão na Fiocruz, onde a vacina Schistovac, que inclui a proteína modificada Sm14 do parasita e se encontra em fase de testes, emerge como uma das iniciativas mais promissoras na infatigável busca por soluções efetivas contra a esquistossomose.