Movimentos significativos estão em curso na Europa para estabelecer uma cadeia produtiva baseada em recursos biológicos. Diversos projetos estão sendo implantados para construir biorrefinarias e plantas químicas que operam a partir de biomassa e fermentação microbiana. A expectativa é que esses investimentos impulsionem a reindustrialização sustentável do continente europeu, alinhada às políticas climáticas e à demanda do mercado consumidor por produtos menos dependentes de petróleo.
Um exemplo concreto é a parceria entre a International Flavors & Fragrances e a Kemira. Juntas, elas criaram a joint venture Alpha Bio, que pretende construir uma planta na Finlândia para produzir biopolímeros substitutos de acrílicos e acrilatos. Com investimento estimado em US$ 145 milhões, a unidade terá capacidade para processar até 44 mil toneladas de açúcares vegetais por ano. Os produtos atenderão indústrias de papel, têxteis e detergentes, aproveitando a compatibilidade com o portfólio atual da Kemira.
Além do setor privado, o suporte público é robusto. A iniciativa Circular Bio-based Europe Joint Undertaking já financiou ou está financiando 15 biorrefinarias na região, com aportes que somam US$ 2,2 bilhões. Em 2022, a indústria química de base biológica europeia empregou cerca de 165 mil pessoas e produziu 4,7 milhões de toneladas de químicos biológicos.
Porém, os desafios permanecem relevantes. Entre eles, estão os altos custos de produção biotecnológica e a dificuldade para escalar operações de forma competitiva quando comparadas com processos petroquímicos tradicionais. Apesar de avanços técnicos, como o etilacetato verde que será produzido pela CropEnergies, os custos finais ainda tendem a ser maiores, mesmo em produtos quimicamente idênticos aos derivados de petróleo.
Outra barreira é a falta de agilidade na regulamentação e no financiamento para startups e pequenas empresas. Especialistas apontam que o excesso de processos centralizados e exigências burocráticas afasta empreendedores e atrasa o aproveitamento de oportunidades emergentes. Por outro lado, iniciativas mais flexíveis, como os financiamentos regionais e da European Innovation Council, têm demonstrado maior capacidade de apoiar modelos de negócios inovadores.
Os casos de fracasso também deixam lições importantes. Grandes projetos como a planta de etanol celulósico da Clariant na Romênia, ou a unidade de ácido succínico da DSM e Roquette na Itália, não conseguiram se sustentar financeiramente. Isso levou muitas empresas a reconsiderar as promessas de bioquímicos de alto volume e migrar para mercados de nicho, como cosméticos, farmacêuticos e cuidados pessoais, onde os consumidores aceitam pagar mais por matérias-primas sustentáveis.
Apesar do histórico e das incertezas, vários especialistas acreditam que a Europa tem potencial para converter seu sólido capital científico e tecnológico em realidade industrial. A estrutura instalada de universidades, centros de pesquisa e plantas-piloto é considerada um diferencial competitivo. Mas para que essa base produza impactos duradouros, será essencial fortalecer o ecossistema de inovação, especialmente na transformação do conhecimento em negócios.
Segundo Hendrik Waegeman, do Bio Base Europe Pilot Plant, a conversão de pesquisa em produtos escaláveis está em andamento, mas exige mudança de mentalidade e maior apetite para risco por parte de investidores. Ao mesmo tempo, reguladores precisam adaptar normas e permitir flexibilidade nos caminhos tecnológicos para o atingimento das metas ambientais estabelecidas pela União Europeia.
Essa estratégia industrial baseada em bioeconomia procura reduzir a dependência de energia fóssil, estimular cadeias produtivas regionais e manter valor agregado dentro do continente. “A bioeconomia é, por essência, uma cadeia de valor regional”, afirma Caroline Petigny, da Afyren. Com políticas públicas mais alinhadas e capital privado mais acessível, é possível imaginar um cenário de médio prazo no qual a Europa esteja à frente na produção sustentável de químicos e matérias-primas renováveis.
A aposta europeia na bioeconomia corresponde não apenas a um imperativo ambiental, mas também a uma resposta estratégica à atual dinâmica geopolítica, que demanda resiliência industrial e autonomia tecnológica. A janela de oportunidade está aberta — mas, como afirmou Fritz Georg von Graevenitz, CEO da CropEnergies, “não há tempo a perder”.