Processar alimentos de forma sustentável é um desafio estratégico para países africanos que buscam diversificar sua base econômica, reduzir a dependência de importações e melhorar a segurança alimentar. Um novo estudo publicado pela Ukama Policy Brief aponta que o setor de agroprocessamento na África permanece subdesenvolvido, apesar de sucessivas políticas que tentaram impulsioná-lo. O artigo conclui que, se embutido em uma estratégia de industrialização verde, o setor pode catalisar crescimento inclusivo, reduzir impactos ambientais e criar empregos de qualidade.
O documento analisa as condições estruturais que limitam o progresso do agroprocessamento africano, entre elas: infraestrutura deficiente (energia, armazenagem e transporte), escassez de financiamento, políticas públicas fragmentadas, baixa capacitação técnica e barreiras tarifárias (e não tarifárias) impostas tanto interna quanto externamente. O desequilíbrio nos subsídios e a baixa qualidade dos produtos processados também prejudicam a competitividade do setor.
Para os autores, há uma oportunidade concreta de torná-lo um setor estratégico para a industrialização verde. A chave está em posicionar o processamento de alimentos dentro de uma lógica de economia circular e bioeconomia, com destaque para o uso de tecnologias limpas, aproveitamento de resíduos e energias renováveis. Essa abordagem poderia atender à crescente demanda por alimentos processados nos mercados domésticos africanos, ao mesmo tempo em que reduz a pegada ambiental das atividades industriais.
No entanto, políticas recentes, como o Plano de Ação do CAADP (2026-2035), ainda tratam o assunto de forma marginal. O relatório cobra que esses programas assumam um compromisso explícito com o processamento de alimentos como engrenagem do desenvolvimento econômico. Em paralelo, os acordos como a Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA) são ressaltados como instrumentos que poderiam viabilizar cadeias de valor regionais para alimentos processados, desde que barreiras não-tarifárias sejam superadas.
O estudo aponta que um dos principais gargalos está na ausência de padrões de qualidade e sustentabilidade alinhados entre os mercados africanos e europeus. Sem essa harmonização, os produtos africanos enfrentam grandes dificuldades para acessar tanto mercados internos quanto exportações. Além disso, há uma crítica à Europa: a ênfase excessiva em investimentos em matérias-primas críticas e hidrogênio verde pode ofuscar áreas como o agroprocessamento sustentável, que têm maior potencial de impacto econômico e social no curto e médio prazo.
A proposta central do documento é que Africanos e Europeus alinhem suas agendas de desenvolvimento a partir de cadeias de valor sustentáveis em alimentos. A Europa tem recursos financeiros, expertise regulatória e acesso a mercados; a África, por outro lado, possui abundância de recursos naturais e mão de obra jovem. A sinergia dessas capacidades, segundo os autores, pode impulsionar a transformação econômica e alimentar do continente africano de forma sustentável e inclusiva.
Entre as ferramentas recomendadas estão: apoio técnico para estabelecer padrões comuns, mecanismos inovadores de financiamento para pequenas e médias empresas, e plataformas de inovação mútua que envolvam incubadoras, aceleradoras e intercâmbios entre pesquisadores africanos e europeus. A participação de mulheres empreendedoras também merece atenção específica, já que elas enfrentam barreiras adicionais de acesso a crédito, tecnologia e mercado.
A análise destaca ainda o potencial de zonas agroindustriais especiais, como as SAPZs, financiadas pelo Banco Africano de Desenvolvimento, que poderiam centralizar a produção e criar economias de escala. Mas, para isso, é necessário enfrentamento direto de gargalos, como logística, padrões regulatórios e acesso a tecnologias verdes.
O relatório conclui que há uma clara janela de oportunidade: a Cúpula da União Africana, em janeiro de 2025, em Kampala, e a 7ª Cúpula UA-UE, também prevista para 2025, serão espaços decisivos para reposicionar o agroprocessamento sustentável como prioridade continental. A articulação de interesses e financiamento entre África e Europa nesse momento pode determinar o futuro da industrialização verde no continente.