Transformar resíduos orgânicos em energia limpa por meio da tecnologia do biogás vem sendo avaliado como uma das estratégias mais promissoras para promover transições sustentáveis em países do Sul Global. Um novo estudo liderado pelo International Water Management Institute analisou experiências em cinco países — China, Nepal, Índia, Ruanda e Senegal — para compreender que fatores determinam o sucesso ou o fracasso de iniciativas envolvendo biodigestores.
O processo de digestão anaeróbica, que converte resíduos orgânicos em biogás e fertilizantes naturais, aparece como alternativa viável para mitigar mudanças climáticas, reduzir a poluição ambiental e ampliar o acesso à energia, especialmente em áreas rurais. No entanto, apesar de seu potencial, a adoção em escala ainda enfrenta barreiras consideráveis nos países analisados.
As principais dificuldades estão relacionadas a fatores políticos, financeiros, técnicos e sociais. O estudo aponta que a fragmentação da governança, a ausência de mecanismos de financiamento adequados, os altos custos iniciais de instalação e a baixa aceitação pública limitam a expansão das tecnologias de biogás nesses contextos. Em muitos casos, a falta de padronização técnica e regulatória também compromete a escalabilidade dos projetos.
Entre os elementos que contribuíram para experiências bem-sucedidas destacam-se a existência de políticas públicas consistentes, criação de mercados locais para os produtos derivados do biogás e forte envolvimento das comunidades beneficiadas. Iniciativas que contaram com programas de capacitação técnica e investimentos iniciais liderados por governos ou organizações multilaterais tiveram desempenho superior àquelas baseadas apenas no interesse privado.
Em Ruanda, por exemplo, políticas públicas voltadas à disseminação de biodigestores permitiram que famílias rurais substituíssem o uso de lenha por biogás, com impactos positivos tanto para a saúde quanto para a gestão de resíduos. Já na Índia, mesmo com a tradição em projetos de biogás, entraves técnicos e operacionais ainda limitam seu uso mais amplo fora do ambiente doméstico, especialmente no contexto urbano.
O estudo conclui que estratégias integradas são fundamentais para ampliar o uso do biogás como solução energética e ambiental. Isso inclui desde a criação de ambientes regulatórios favoráveis até a articulação entre financiamento público e privado, desenvolvimento tecnológico adaptado a contextos locais e campanhas educativas para ampliar o conhecimento e aceitação popular sobre os benefícios da digestão anaeróbica.
Além de fornecer energia limpa, os sistemas de biogás têm o potencial de aliviar pressões sobre serviços públicos de coleta de lixo e sobre solos degradados. O resíduo sólido do processo, também conhecido como biofertilizante, pode ser reaplicado na agricultura, transformando um problema urbano ou rural em insumos valiosos para a produção de alimentos.
Os autores recomendam que projetos futuros considerem a criação de modelos operacionais sustentáveis que integrem aspectos técnicos, sociais e econômicos desde a fase de planejamento, com especial atenção às condições de infraestrutura nos países de baixa e média renda. Segundo o relatório, o aproveitamento do biogás deve ser uma peça chave nas transições para sistemas circulares de bioeconomia no Sul Global, com capacidade de promover não apenas ganhos ambientais, mas também impactos positivos na inclusão social e segurança energética.
Fonte: From waste to value: key insights and lessons learned from biogas initiatives in the Global South