Resíduos agrícolas ricos em mananos — como borras de café, torta de palmiste, farelo de coco e gomas vegetais como guar e alfarroba — vêm ganhando atenção científica por seu potencial de transformação em produtos de alto valor agregado dentro de sistemas de bioeconomia circular. Uma revisão recente publicada na Renewable and Sustainable Energy Reviews reúne avanços no aproveitamento desses subprodutos, destacando aplicações que vão do setor alimentício à medicina e à indústria energética.
Esses resíduos, frequentemente descartados por queima ou despejo em corpos d’água, representam uma parcela significativa da poluição agrícola global. No entanto, a pesquisa demonstra que, por meio de processos tecnológicos adequados, eles podem ser convertidos em biocombustíveis, biochar, aditivos alimentares, película biodegradável e até veículos de liberação de fármacos. Entre os compostos de maior importância está o manano, um polissacarídeo de ocorrência comum na parede celular de plantas e que é particularmente abundante em leguminosas e frutos como o coco e a palma.
A variedade de aplicações industriais possíveis — especialmente na produção de mananoligossacarídeos prebióticos (MOS) — impulsiona o interesse por tecnologias de extração e conversão desses materiais. Os MOS têm ganhado reconhecimento como aditivos funcionais para a saúde intestinal, atuando como prebióticos tanto na nutrição humana quanto animal. Segundo os autores, a ampliação do uso industrial dos mananos é uma forma eficaz de dar novo valor a culturas tradicionalmente consideradas de baixo valor comercial.
O estudo reforça esse argumento com o exemplo da goma guar. De planta nativa do sul da Ásia e historicamente usada como forragem, a guar ganhou importância global ao ser empregada em processos de extração de petróleo e gás natural. Seu preço chegou a quadruplicar entre 2003 e 2013, e as importações globais, que somavam cerca de 127 mil toneladas em 2000, atingiram quase 600 mil toneladas em 2014 antes de estabilizar em níveis menores posteriormente. A trajetória da guar ilustra como inovações no uso industrial de matérias-primas agrícolas podem modificar profundamente cadeias de valor.
Novas aplicações da guar em MOS e bioplásticos indicam viabilidade para mercados de maior estabilidade e sustentabilidade, fora das oscilações da indústria do petróleo. O mesmo raciocínio pode ser estendido para outros resíduos ricos em manano, como o farelo de coco (copra meal) e a torta de palmiste (PKC). O mercado mundial da copra, por exemplo, movimentou cerca de USD 3,35 milhões em 2024, com projeções de crescimento sustentado até 2029. Já a PKC, embora tenha registrado redução de exportações de 15,5% entre 2022 e 2023, ainda movimentou USD 1,89 bilhão no último ano.
Do ponto de vista técnico, os dados revisados mostram que os resíduos com manano podem ser usados de distintas formas: como substrato para produção de bioetanol, em compostagens para fertilização de solo, como aditivos para nutrição animal, ou ainda processados para fins biomédicos — como veículos de liberação de medicamentos e vacinas. Sua versatilidade se alinha com os princípios da bioeconomia circular ao permitir que biomassa tradicionalmente descartada seja convertida em matérias-primas renováveis, reduzindo impactos ambientais e dependência de insumos fósseis.
Os autores ressaltam que o aproveitamento desses resíduos ainda enfrenta desafios técnicos, como a complexidade da extração dos mananos e as limitações em processos de purificação em escala industrial. No entanto, defendem que o foco em valoração tecnológica desses materiais pode gerar cadeias produtivas locais sustentáveis, especialmente em regiões produtoras como o sul e sudeste da Ásia. Quanto mais diversificadas forem as aplicações e os mercados-alvo, maiores as chances de atratividade econômica.
Os desdobramentos apontam para a necessidade de mais pesquisas focadas na eficiência conversão biotecnológica e na viabilidade econômico-tecnológica de implantar esses sistemas em larga escala. A perspectiva de associar tecnologias de biorrefinaria ao aproveitamento desses resíduos impõe um caminho promissor e ainda pouco explorado para inserir práticas industriais dentro de regimes circulares mais resilientes e menos poluentes.
Fonte: Advances in the utilization of mannan-rich agricultural wastes and gums for the circular bioeconomy