Indicadores de referência oferecem novo parâmetro para restaurar campos do Cerrado

Um trabalho conduzido por pesquisadoras do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) oferece importantes ferramentas para orientar projetos de restauração ecológica voltados a campos naturais e savanas do Cerrado. Publicado na revista Restoration Ecology, o estudo define indicadores confiáveis e valores de referência que podem aumentar a taxa de sucesso dessas iniciativas, tradicionalmente marcadas por incertezas e equívocos metodológicos.

A pesquisa partiu da análise de 14 áreas remanescentes de Cerrado nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás — todas consideradas ecossistemas íntegros, pois nunca foram perturbadas. Os cientistas examinaram características como composição e riqueza de espécies, cobertura do solo e biomassa aérea, estabelecendo um conjunto de parâmetros mensuráveis capazes de guiar intervenções ecológicas em áreas degradadas.

Um dos principais resultados foi o reconhecimento de que a héterogeneidade natural desses ambientes desafia a aplicação de metas padronizadas. Nesse contexto, a proposta dos autores é utilizar uma amplitude de variação como referência, ao invés de valores absolutos. Assim, um campo restaurado é considerado adequado se estiver dentro desse intervalo, respeitando a diversidade inerente aos ecossistemas abertos.

Entre os indicadores considerados mais eficazes estão a proporção das formas de crescimento na vegetação, a riqueza de espécies por metro quadrado e por parcelas locais de 30 m². Já métricas como biomassa aérea e riqueza total por hectare foram classificadas como menos confiáveis, pois não respondem de forma previsível ao tempo ou ao histórico ambiental, especialmente em áreas sujeitas ao fogo recorrente.

O estudo também alerta sobre riscos comuns na restauração dos campos naturais. Um dos erros mais recorrentes é o plantio de árvores em ambientes onde elas naturalmente não existem. Outros problemas incluem a adoção de ações de sequestro de carbono baseadas em premissas inadequadas e a introdução de espécies exóticas ou de crescimento rápido, que distorcem a composição original do ecossistema.

Outro achado relevante diz respeito à composição espacial e estrutural dos campos íntegros. Os autores registraram que ao menos 20% da área deve ter solo exposto e que a cobertura de copas de árvores não pode ultrapassar 20% do terreno. Quanto à biomassa aérea, estabeleceu-se um limite máximo de 715 g/m². Já o número de espécies por metro quadrado variou entre 9 e 22 — uma diversidade que ainda não é possível replicar em ambientes restaurados.

As autoras ressaltam que mesmo com os avanços do estudo, o melhor caminho ainda é a conservação dos ecossistemas remanescentes, pois a restauração, embora valiosa, não é capaz de recuperar completamente a complexidade ecológica de áreas intactas. Esse argumento reforça a urgência de estratégias voltadas à proteção das áreas naturais ainda existentes.

Ao fornecer uma base científica e técnica robusta, o estudo também se torna um suporte importante à formulação de políticas públicas relacionadas à restauração ecológica e à conservação do Cerrado. Os indicadores definidos permitem não só orientar escolhas técnicas, mas também avaliar com mais precisão a efetividade de intervenções e o progresso rumo à sustentabilidade ambiental.

Essa pesquisa integra a iniciativa Biota Campos, um projeto temático financiado pela FAPESP que busca aprofundar o conhecimento sobre a biodiversidade dos campos naturais, com ênfase na restauração ecológica e na política ambiental baseada em evidências. O trabalho teve como autora principal Bruna Helena de Campos, bolsista de pós-doutorado no IPA, sob orientação das pesquisadoras Giselda Durigan (IPA) e Natashi Pilon (Unicamp).

Fonte: Estudo aponta indicadores para guiar projetos de restauração ecológica de campos naturais e savanas

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