Uma equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu um método inédito para detectar fraudes e identificar a origem geográfica de cafés da espécie Coffea canephora — os canéforas — produzidos por povos indígenas na Amazônia. O sistema utiliza apenas a câmera de um smartphone comum e um acessório impresso em 3D, demonstrando acurácia de até 95% na detecção de adulterações.
O método, liderado por Michel Rocha Baqueta durante seu doutorado na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, extrai informações de colorimetria das amostras de café moído por meio do sistema RGB (red, green and blue). As imagens são analisadas por de um software que aplica técnicas de machine learning para diferenciar cafés autênticos de adulterados, baseado em um banco de dados previamente estruturado com amostras conhecidas.
A proposta foi especialmente aplicada aos cafés produzidos por comunidades indígenas em Rondônia, que apresentam características químicas e sensoriais distintas dos canéforas de outras regiões, segundo análises conduzidas pelos pesquisadores. As amostras foram comparadas a adulterantes comuns, como café arábica, borra de café, casca de café, semente de açaí, milho e soja. O modelo também mostrou-se adaptável para detectar outros tipos de fraude, bastando ser treinado com novas amostras.
Essa abordagem busca responder a uma lacuna no mercado: a autenticação de cafés especiais com indicação geográfica. Uma vez que os testes sensoriais tradicionais não são eficazes para comprovar a origem, a equipe apostou em diferentes técnicas químicas e de ciência de dados para traçar um perfil robusto desses produtos. O estudo incluiu espectroscopia, ressonância magnética nuclear, espectrometria de massas e outras ferramentas analíticas aplicadas em amostras de Rondônia, Espírito Santo e Bahia.
Baqueta destaca que sua tese é a primeira no Brasil a estudar quimicamente o café indígena brasileiro. O trabalho, financiado pela FAPESP, apresenta dados que indicam alto potencial do produto para o segmento premium, com pontuações sensoriais comparáveis às dos cafés arábicas especiais — acima de 80 pontos, conforme a classificação da Specialty Coffee Association of America. A resistência da espécie e sua produtividade em regiões tropicais também contribuem para seu reposicionamento no mercado.
Ao contrário de abordagens anteriores que investigavam o uso de canéfora como adulterante de arábica, o novo estudo inverte a lógica: identificou adulterações em cafés canéforas especiais com arábicas e outros insumos, incluindo canéfora de baixa qualidade. Uma das descobertas mais relevantes foi a capacidade de detectar fraudes envolvendo a semente de açaí torrada, cada vez mais utilizada como substituto no chamado “café fake”.
O aumento do preço do café e a oscilação da oferta estimularam práticas fraudulentas com substituição por insumos mais baratos. Essas adulterações enganam o consumidor e podem até representar riscos à saúde, considerando processos inadequados de torra que podem gerar compostos tóxicos. Baqueta vê nesse cenário a urgência de métodos confiáveis de detecção e de uma regulamentação mais rigorosa para o setor.
O modelo proposto pode ser integrado aos processos de controle de qualidade internos da indústria e em certificadoras, e seus desenvolvedores apontam o potencial de uso tanto em cafés verdes para exportação quanto em pós de café para consumo local. Com técnicas avançadas de quimiometria associadas à praticidade de um celular, a solução cria caminhos para garantir a autenticidade de produtos da sociobiodiversidade brasileira, além de fortalecer o mercado de cafés especiais amazônicos.
Fonte: Celular é usado para identificar origem e fraudes em cafés indígenas da Amazônia