A modernidade da agricultura industrial revela-se como um dos maiores desafios para os ciclos biogeoquímicos do nosso planeta, especialmente quando se trata do ciclo do nitrogênio. O uso intensivo de fertilizantes à base de nitrogênio, peça central da agricultura intensiva, está desregulando o delicado equilíbrio que sustenta a vida na Terra. Como consequência direta de práticas agrícolas industriais, seis das nove fronteiras planetárias foram ultrapassadas, levando o sistema terrestre a um caminho irreversível e incontrolável.
O paradigma da fronteira planetária funciona como um alarme. Estabelece limites de distúrbio além dos quais a Terra se coloca em uma trajetória que compromete as condições fundamentais para a manutenção da vida. Esse conceito transborda de relevância ao considerarmos a crise climática e a importância de manter o aquecimento global limitado a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. A neutralidade de carbono aparece não apenas como uma meta, mas como um pilar para evitar o colapso climático.
Um elemento chave nesse cenário de preocupações é o ciclo do nitrogênio, com a industrialização da agricultura desempenhando um papel complexo que antagoniza diretamente com a sustentabilidade do ciclo. Em contraste com o ciclo do carbono, de escala global e homogêneo, o ciclo do nitrogênio apresenta particularidades locais críticas. Excedentes de nitrogênio podem levar à depleção dos solos e comprometer a continuidade do crescimento vegetal, com o risco associado sendo intensificado pela volatilidade do nitrogênio inorgânico no solo.
O problema agrava-se com o fato de que a principal fonte de nitrogênio para culturas intensivas, os fertilizantes sintéticos, provenientes do processo de Haber-Bosch – desenvolvimento que marcou a história industrial -, eleva a quantidade de nitrogênio reativo na biosfera além dos níveis de todos os processos naturais de fixação biológica. Isso implica uma aceleração dramática na ciclagem do nitrogênio, mais do que duplicando a sua velocidade natural.
Esta armadilha ambiental revela um excedente de nitrogênio que não somente contamina as reservas de água potável e provoca a eutrofização das águas costeiras, mas também libera amônia na atmosfera, prejudicando significativamente a saúde humana. A proposição feita por especialistas em estabelecer o limite máximo de 60 milhões de toneladas de nitrogênio por ano, em contraste com o excedente real de cerca de 130 milhões, destacou a urgência de uma meta estabelecida tanto pela Comissão Europeia quanto pela Conferência da Biodiversidade das Nações Unidas: reduzir pela metade o desperdício de nitrogênio até 2030.
Entretanto, atingir essa meta não é trivial e não será alcançado por meio de ajustes de práticas convencionais. Inovações como agricultura de precisão e melhoria variética de culturas podem parecer soluções, mas provavelmente trarão um efeito marginal na redução do desperdício. A redução significativa de perdas de nitrogênio pode passar pela diminuição da própria produção agrícola intensiva.
A questão residual é: a humanidade pode se dar ao luxo de desintensificar a agricultura sem comprometer a segurança alimentar global? As evidências sugerem que é possível, porém somente se forem implementadas mudanças estruturais significativas no sistema agroalimentar. Isso incluiria a adoção generalizada de sistemas de cultivo comprovados na agricultura orgânica, a integração entre cultivo e pecuária e uma mudança dietética global para redução do consumo de produtos de origem animal. Somente assim, um modelo de agroecologia baseado na frugalidade, reconexão e sustentabilidade será capaz de alimentar a população mundial sem ultrapassar os limites vitais do nosso planeta.