José Eli da Veiga conclui sua trilogia sobre o Antropoceno com um mergulho profundo nas relações entre pensamento econômico e a nova realidade geológica definida pelo impacto das atividades humanas. No livro O Antropoceno e o Pensamento Econômico, o autor propõe uma reavaliação dos próprios alicerces da teoria econômica dominante, partindo da constatação de que o crescimento econômico – tal qual medido pelo Produto Interno Bruto (PIB) – é uma métrica insuficiente e até enganosa diante dos desafios colocados pela crise ambiental global.
A obra retoma os debates inaugurados por pensadores como Georgescu-Roegen e Herman Daly, articulando-os à ciência do sistema Terra e ao conceito de Antropoceno. Mas, ao contrário de propor um retorno ao controle estatal ou à estatização de setores econômicos, o livro defende uma transformação mais sutil e estrutural: incluir a ética ambiental no cerne da economia. Isso significa repensar a economia como ciência das relações materiais e ecológicas, e não apenas como sistema de alocação de recursos escassos guiado pelos preços de mercado.
Ao se afastar tanto da utopia desenvolvimentista do século XX quanto das propostas contemporâneas de “decrescimento absoluto”, o livro propõe uma via alternativa baseada no conceito de “crescer decrescendo e decrescer crescendo“. A ideia central é clara: mais importante que a quantidade de crescimento econômico é a qualidade das atividades econômicas envolvidas. Crescer deve significar expandir ações voltadas à regeneração ambiental, bem-estar social e oferta de bens públicos; decrescer implica reduzir ou eliminar as atividades nocivas à saúde humana e ao meio ambiente, como a promoção de automóveis individuais e a produção de alimentos ultraprocessados.
Da Veiga também desafia o pensamento econômico convencional ao apontar que, para enfrentar os efeitos do Antropoceno, não basta confiar em forças de mercado ou na inovação técnica. É preciso romper com o instrumentalismo que vê a natureza como simples meio de produção, substituível por engenhosidade humana. Em seu lugar, o autor propõe uma abordagem que reconheça a natureza como finalidade – uma mudança epistemológica que despreza a separação clássica entre ética e economia, como defendida por Lionel Robbins em 1932.
Outro ponto de destaque é a crítica à ênfase exclusiva em indicadores sintéticos como o PIB. O livro propõe um exame mais rigoroso e material das bases energéticas, bióticas e ecológicas da riqueza. Segundo Veiga, compreender de onde vêm os insumos da produção e quais serviços prestam à sociedade – do transporte à alimentação – é vital para determinar se estão contribuindo ou prejudicando a qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental.
Para o autor, o pensamento econômico não é uma ferramenta obsoleta, mas tampouco pode ser mantido tal como está. Seu potencial emancipador só se realiza quando atualizado com as lições do Antropoceno e quando assume os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como horizonte de ação. Ao promover a reorganização da economia em torno de bens públicos e práticas regenerativas, o livro aposta numa utopia realista – capaz de enfrentar os limites ecológicos sem negligenciar os avanços institucionais e intelectuais do último século.
Em um cenário no qual a destruição de ecossistemas se acelera e a erosão da biodiversidade compromete o futuro, a trilogia de José Eli da Veiga encerra ressaltando a importância de mudanças institucionais e culturais no pensamento econômico. Não para destruir o mercado, mas para reposicionar seus objetivos e instrumentos em relação à sustentabilidade ecológica e ao bem-estar social.
Com uma argumentação sólida e apoiada em autores relevantes das últimas seis décadas, O Antropoceno e o Pensamento Econômico busca fornecer uma resposta estruturada e pragmática à urgência climática. Frente à polarização entre tecnofilia cega e ceticismo paralisante, o livro defende um caminho de ação que exige reformular os fundamentos da economia contemporânea, sem abandonar os avanços conquistados, mas ampliando suas fronteiras para incluir a própria resiliência planetária.
