Fração de lignina aumenta estabilidade e eficácia de nanopartícula com atrazina

Pesquisadores da Unesp, Unicamp e UFSCar demonstraram que uma fração específica da lignina, subproduto comum da indústria de papel e celulose, pode desempenhar papel decisivo na formulação de nanopartículas biodegradáveis mais eficazes e estáveis para a liberação sustentável do herbicida atrazina. O estudo foi publicado com destaque na revista ACS Sustainable Chemistry and Engineering e utilizou lignina kraft extraída do Eucalyptus urograndis, submetida a diferentes processos de fracionamento com ácido acético.

A equipe produziu nanopartículas de poli-ε-caprolactona (PCL) estabilizadas com frações de lignina, em substituição ao tradicional álcool polivinílico (PVA). Entre as frações, a KL_30% — com maior teor de grupos fenólicos — apresentou os melhores resultados em eficiência de encapsulamento da atrazina (superior a 94% em 90 dias), proteção contra degradação por radiação UV e desempenho herbicida prolongado. A atividade antioxidante da fração também foi destacada, reforçando sua eficácia como agente protetor fotolítico.

No cultivo de Bidens pilosa e Amaranthus viridis, plantas daninhas usuais na agricultura brasileira, as nanopartículas com KL_30% proporcionaram um controle superior comparado à formulação comercial do herbicida e à versão com PVA. Reduções de até 28% e 21% no crescimento das plantas foram observadas para as duas espécies, respectivamente, mesmo com doses reduzidas. A estabilidade da liberação da atrazina foi fundamental para esses resultados, atribuída à proteção física e química proporcionada pela lignina fracionada.

As análises indicaram que a lignina, além de aumentar a estabilidade coloidal das nanopartículas, ofereceu significativa resistência à fotodegradação, prolongando a vida útil do herbicida. Observou-se redução de 32% na degradação da atrazina sob exposição UV-C em comparação com a formulação comercial. Já em testes de estabilidade acelerada — simulando condições de estocagem — as formulações com KL_30% mantiveram propriedades físico-químicas estáveis mesmo após semanas em altas temperaturas.

Embora todas as frações tenham melhorado, em algum grau, a performance das nanopartículas, as variações estruturais da lignina mostraram ter impacto direto no desempenho da formulação. O maior conteúdo de grupos fenólicos livres na KL_30%, acompanhado de menor massa molar, foi responsável por maior afinidade com o herbicida e melhor interação com a matriz polimérica.

Células de fibroblasto murinas (3T3) foram utilizadas para avaliar a citotoxicidade das formulações. Os testes mostraram que, apesar de a lignina promover propriedades funcionais vantajosas, alterações estruturais específicas podem influenciar negativamente a viabilidade celular em altas concentrações. KL_30% apresentou os menores índices de toxicidade dentre as frações lignínicas testadas, mas os autores recomendam precaução e investigação adicional sobre os mecanismos celulares envolvidos.

Um dos principais desafios apontados no estudo para o uso industrial da lignina como estabilizante natural de nanopartículas está na alta variabilidade estrutural deste biopolímero. A identificação de frações como a KL_30%, com propriedades otimizadas para formulação, pode abrir caminho para usos mais consistentes e escaláveis dessa biomassa, tradicionalmente tratada como resíduo.

Além dos benefícios agronômicos e ambientais demonstrados, o uso de lignina contribui para o fortalecimento de cadeias produtivas alinhadas à bioeconomia circular, com aproveitamento de resíduos industriais abundantes no Brasil. Segundo os pesquisadores, a abordagem é promissora para o desenvolvimento de insumos agrícolas de menor impacto ambiental e com maior eficiência.

Estes resultados apontam para um uso mais inteligente de recursos existentes, como a lignina, combinando avanços em engenharia de materiais e ciência agronômica com objetivo de melhorar o desempenho de agroquímicos e reduzir sua pegada ecológica. O grupo recomenda mais estudos para refinar a seleção de frações lignínicas e explorar novas aplicações em sistemas de liberação controlada.

O estudo foi conduzido sob liderança do professor Leonardo Fraceto (Unesp) e contou com apoio da FAPESP por meio de diversos projetos interinstitucionais. As formulações desenvolvidas demonstram potencial para substituir surfactantes sintéticos em nanopesticidas, contribuindo para soluções agroindustriais mais sustentáveis.

Fonte: Lignin as a Dual-Function Stabilizer for Protecting PCL Nanoparticles from Photodegradation and Enhancing Atrazine Delivery

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