Desmatamento é responsável por 74% da queda de chuvas na estação seca da Amazônia, aponta estudo

Um estudo publicado na revista Nature Communications quantificou, com base em dados atmosféricos e de uso do solo entre 1985 e 2020, os impactos separados da mudança climática global e da desmatamento sobre o clima na Amazônia brasileira. Os pesquisadores analisaram 29 áreas distribuídas na chamada Amazônia Legal e destacaram que os efeitos do desmatamento sobre variáveis como temperatura máxima e precipitação durante a estação seca são notavelmente mais intensos do que se estimava anteriormente.

O estudo aponta que o desmatamento respondeu por 74,5% da redução de cerca de 21 mm de chuva por estação seca e por 16,5% dos cerca de 2 °C de aumento na temperatura máxima diária durante o período avaliado. Por outro lado, as elevações nas concentrações atmosféricas de CO₂ (~87 ppm) e CH₄ (~173 ppb) foram atribuídas quase exclusivamente (mais de 99%) a emissões globais, com mínima contribuição regional do desflorestamento.

Uma das principais contribuições desse trabalho foi a separação matemática dos efeitos do tempo (representando a mudança climática global) e da proporção de floresta desmatada sobre cada variável atmosférica. A modelagem utilizou equações paramétricas que mostraram um comportamento linear no tempo e logarítmico para o desmatamento. Essa abordagem revelou que os impactos mais severos do desmatamento na temperatura e precipitação têm maior intensidade nas fases iniciais da perda de cobertura florestal, indicando que até perdas moderadas já provocam desequilíbrios acentuados.

Segundo os autores, essas alterações já colocam em risco a resiliência climática regional da floresta. Regiões que mantêm mais vegetação nativa demonstram maior estabilidade climática, enquanto as mais desmatadas exibem tendências acentuadas de aquecimento e secamento. A extrapolação desses dados indica que, mantendo-se o ritmo atual de desmatamento, a Amazônia poderá atingir, até 2035, uma elevação adicional de 0,62 °C na temperatura máxima e uma perda de mais 7,3 mm na chuva por estação seca, além de elevações expressivas nos níveis de gases de efeito estufa.

As consequências vão além da Amazônia. O estudo sugere que a perda de floresta pode estar deslocando o funcionamento do sistema de monções sul-americano, com potenciais consequências secas para regiões adjacentes. O risco de transformação climática da Amazônia para um tipo climático mais próximo ao do Cerrado — ou até da Caatinga, com menor umidade e maior estacionalidade — é uma possibilidade real, se as tendências atuais se mantiverem.

Apesar de não apontar um limiar exato para a transformação da floresta em outro bioma, os resultados demonstram claramente que a interação entre desmatamento e mudança climática já está alterando significativamente o equilíbrio hidrológico e térmico da região. A resposta do sistema amazônico é fortemente não-linear, especialmente na estação seca, quando a floresta é mais suscetível à redução da umidade e ao aumento de temperatura.

Os pesquisadores reconhecem as limitações do modelo estatístico utilizado, que não simula os efeitos complexos das realimentações ecológicas e eventos extremos. Porém, ao separar pela primeira vez o impacto relativo de mudanças globais e locais, o estudo oferece uma base sólida para planejar políticas públicas e estratégias de mitigação focadas em manter a cobertura florestal e, assim, evitar a intensificação de processos de degradação regional e global.

Com um cenário de eventos extremos cada vez mais frequentes — como a seca de 2023 — os resultados reforçam a urgência de conter o avanço do desmatamento na Amazônia. A floresta ainda exerce papel fundamental na regulação do ciclo da água e na contenção das mudanças climáticas, e sua degradação contínua compromete não apenas a região, mas também o equilíbrio climático em escala planetária.

Fonte: How climate change and deforestation interact in the transformation of the Amazon rainforest

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