A cana-de-açúcar ocupa uma posição estratégica na interseção entre produção alimentar, geração de energia e desenvolvimento de produtos de base biológica. Um novo estudo publicado na revista Industrial Crops & Products sintetiza os principais avanços científicos e tecnológicos que projetam esse cultivo como pilar da bioeconomia circular global.
O artigo destaca que o potencial produtivo e sustentável da cana vem sendo limitado por desafios como complexidade genômica, suscetibilidade a estresses ambientais e baixa eficiência de conversão de biomassa. Pesquisadores propõem abordagens integradas que vão desde edição genômica com CRISPR-Cas9 até sistemas de biorrefinaria de resíduos zero, enfatizando o uso total dos coprodutos agrícolas.
Um dos focos é a conservação da biodiversidade do gênero Saccharum, especialmente das espécies selvagens como S. spontaneum, cujos habitats estão sob ameaça. A introdução de genes de tolerância ambiental dessas espécies em cultivares comerciais, por meio de introgressão assistida por marcadores e edição de precisão, vem sendo adotada como estratégia para ampliar a resiliência e a base genética da cultura.
Avanços em tecnologias “-ômicas” e inteligência artificial em fitomelhoramento estão otimizando a seleção de novas variedades com produtividade superior, resistência a doenças e melhor adaptação ao clima. Genes como DREB (tolerância à seca) e CHITINASE (resistência fúngica) são alvos recorrentes das abordagens transgênicas.
Em paralelo, o estudo registra o progresso das biorrefinarias integradas, que transformam resíduos como bagaço e palha em bioetanol 2G, bioplásticos e nutracêuticos. A integração de rotas bioquímicas e termoquímicas, com reaproveitamento em cascata dos resíduos, é apontada como essencial para viabilizar sistemas de produção com emissões líquidas zero.
Contudo, ainda existem gargalos significativos. As taxas de edição fora do alvo em sistemas como CRISPR podem alcançar 23% em variedades poliplóides. Além disso, muitos dos traços editados em laboratório não se mantêm sob múltiplos estresses no campo. Também persiste uma lacuna entre pesquisa básica e aplicação industrial, especialmente na exploração de compostos bioativos da cana com potencial farmacêutico.
O artigo recomenda ações coordenadas para superar esses entraves: implementação de plataformas internacionais de dados abertos, fortalecimento da pesquisa em estresses combinados (como seca e calor), e modelos de financiamento para compartilhamento equitativo de tecnologias entre agricultores e indústria. Iniciativas como a Iniciativa Internacional de Pesquisa para Melhoramento de Cana com Base em Genômica são citadas como centrais para enfrentar esses desafios de forma colaborativa.
Os autores concluem que a combinação entre inovação genômica, agroecologia de precisão e integração biorrefinaria pode reposicionar a cana-de-açúcar como cultura multifuncional, capaz de contribuir para a neutralidade de carbono, segurança alimentar e desenvolvimento industrial sustentável. No entanto, alertam que o sucesso depende da articulação entre políticas públicas, acesso democrático a tecnologias e conservação ecológica.
