Co-digestão de resíduos agrícolas tem potencial para abastecer 115 mil pessoas com bioenergia em Portugal

Pesquisadores da Universidade de Coimbra avaliaram o uso de resíduos agroindustriais, como bagaço de tomate e casca de noz verde, para produção de bioenergia em sistemas de biorrefinaria. O estudo comparou dois métodos: digestão anaeróbia simples (AD) e a co-digestão anaeróbia (AcoD), com foco na maximização da recuperação de biogás e na valorização energética dos resíduos.

Nos testes em escala laboratorial, o potencial bioquímico de metano (BMP) do bagaço de tomate (TP) foi de 285 NmL CH₄/gVS. Quando esse material foi previamente extraído com fluido supercrítico de CO₂ (TP_CO2), o valor caiu levemente para 272 NmL CH₄/gVS. Já a casca de noz verde extraída com etanol (GWSe) mostrou um BMP consideravelmente inferior: 107 NmL CH₄/gVS. A queda no BMP dos resíduos extraídos indicou que a retirada prévia de compostos pode influenciar a geração de metano.

Para superar essa limitação, os autores realizaram a co-digestão de TP_CO2 e GWSe em diferentes proporções. Os resultados foram superiores aos obtidos na digestão individual, com produções entre 262 e 361 NmL CH₄/gVS. A co-digestão não só compensou a baixa performance individual de GWSe, como indicou ganhos sinérgicos, com índices de desempenho superiores a 1.

Os testes semi-contínuos com bagaço de tomate extraído com etanol (TPe) tiveram produção diária estabilizada entre 100 e 150 NmL CH₄/d·gVS, com teor médio de 50% de metano. A carga orgânica aplicada foi de 1 gVS/L.d, demonstrando a viabilidade técnica da operação sob condições realistas de processo.

Com base no melhor desempenho obtido — 409 NmL CH₄/gVS com uma mistura de 80% TP_CO2 e 20% GWSe —, os pesquisadores estimaram o potencial energético anual se esses resíduos fossem utilizados em Portugal. O valor chegou a aproximadamente 157 milhões de kWh, equivalente ao consumo médio anual de 115.500 pessoas no país.

A fase seguinte do trabalho voltou-se ao tratamento da fração líquida gerada na digestão. O objetivo era purificá-la com o processo de Fenton, uma técnica avançada de oxidação. A melhor redução de matéria orgânica foi obtida com 100 mg/L de peróxido de hidrogênio e 50 mg/L de sulfato de ferro como catalisador. Apesar disso, a qualidade da água final ainda não atingiu padrões mínimos para reúso, como na irrigação.

A conclusão do estudo confirma que a digestão anaeróbia, isolada ou combinada, representa um caminho promissor para valorização energética de resíduos agroindustriais. Embora o tratamento da água residual ainda demande soluções complementares, a integração de AD com tecnologias como o processo de Fenton reforça sua relevância no contexto de biorrefinarias circulares.

Para a estratégia nacional de transição energética e economia circular, o estudo fornece evidências práticas da viabilidade técnica e do potencial de escala dessa abordagem. O aproveitamento eficiente de resíduos pode gerar energia limpa, reduzir impactos ambientais e abrir caminho para novos arranjos industriais baseados na co-digestão de subprodutos agrícolas.

Fonte: Avaliação da produção de bioenergia através de co-digestão de resíduos alimentares: desde a escala laboratorial à escala semi-piloto

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