Pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Embrapa Instrumentação desenvolveram um biossensor descartável de baixo custo capaz de detectar com alta sensibilidade o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) – uma proteína associada a transtornos mentais como depressão, esquizofrenia e bipolaridade – em amostras de saliva humana.
A partir de uma tira flexível com eletrodos serigrafados e funcionalizados, o dispositivo realiza a detecção do BDNF por meio da formação de imunocomplexos, que alteram as propriedades eletroquímicas da superfície. A leitura é feita usando espectroscopia de impedância eletroquímica, método que exige apenas 100 μL de saliva sem qualquer preparo prévio.
O biossensor obteve uma ampla faixa de detecção, indo de 1,0 × 10⁻²⁰ até 1,0 × 10⁻¹⁰ g/mL – cobrindo níveis muito abaixo e acima dos normalmente encontrados na saliva de pacientes saudáveis. Esse intervalo permite o uso tanto em casos clínicos quanto para o monitoramento de indivíduos assintomáticos. A capacidade de detectar concentrações tão baixas é resultado da combinação de nanoesferas ocas de carbono (CSSs), polietilenoimina (PEI) e glutaraldeído na estrutura do sensor.
Em testes com saliva coletada de voluntários saudáveis, o sensor mostrou alta seletividade frente a interferentes presentes no fluido oral, excelente reprodutibilidade e foi capaz de manter 90% de sua resposta analítica após sete dias de armazenamento a 4 ºC. A vida útil estimada chega a 30 dias. Todos os testes foram conduzidos com aprovação ética, utilizando um protocolo validado.
Com custo unitário estimado em US$ 2,19 (sem considerar mão de obra ou equipamentos), o sensor pode se conectar a um equipamento portátil via Bluetooth, permitindo que os dados sejam visualizados em tempo real em um smartphone. Essa portabilidade fortalece seu potencial para triagens domiciliares, monitoramento terapêutico e uso em locais com infraestrutura limitada.
Do ponto de vista da sustentabilidade, o dispositivo obteve notas de 76 na métrica Analytical Eco-Scale e 0,75 na AGREE – ambas indicando excelente desempenho ambiental. A avaliação combinada de impacto ambiental e aplicabilidade pelo BAGI resultou em uma pontuação de 70, acima da marca mínima recomendada para métodos práticos. Destaque-se que o uso de materiais como glucose, CSS e polímeros simples elimina a dependência de metais pesados ou soluções tóxicas presentes em muitos sensores da literatura.
Comparado a outras tecnologias, o imunossensor demonstrou superioridade na sensibilidade e um alcance dinâmico mais amplo, sendo o único validado até o momento para uso com amostras de saliva humana e em formato descartável e portátil. Técnicas tradicionais como ELISA, eletroquimioluminescência e HPLC continuam relevantes, mas não apresentam a mesma rapidez e simplicidade de execução, além de exigir laboratórios especializados.
Os autores apontam que a plataforma pode ser expandida para testes multiplexados com diferentes biomarcadores, servindo como base para tecnologias voltadas à medicina personalizada. Segundo eles, o crescimento dos casos de transtornos mentais, especialmente após a pandemia de COVID-19, reforça a importância de ferramentas acessíveis e descentralizadas para rastreamento precoce e acompanhamento terapêutico individualizado.
Os próximos passos da equipe incluem o depósito de patente e possíveis colaborações para produção em escala do biossensor. Embora os dados sejam promissores em contexto laboratorial, testes clínicos mais amplos ainda são necessários para homologação em protocolos médicos formais.
O trabalho foi liderado por Paulo A. Raymundo-Pereira, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP), com coautoria de Nathalia O. Gomes, Marcelo L. Calegaro, Luiz Henrique C. Mattoso, Sergio A. S. Machado e Osvaldo N. Oliveira Jr.