Um estudo recente publicado na Bioresource Technology apresentou uma rota promissora para a valorização de soro ácido sem lactose (LFAW, na sigla em inglês), subproduto do iogurte skyr, por meio do cultivo de microrganismos microalgais em condições mixotróficas. A pesquisa buscou converter esse efluente lácteo em biomassa com aplicações potenciais na alimentação humana, ao mesmo tempo reduzindo resíduos e integrando a indústria de laticínios à bioeconomia circular.
Os autores cultivaram três linhagens microalgais — Chlorella vulgaris e duas estirpes de Tetradesmus obliquus — em LFAW puro e em um LFAW suplementado com nutrientes ausentes no meio original, como nitrato, fosfato e traços metálicos. Os resultados apontam que a produção de biomassa é altamente dependente da estirpe utilizada e da composição nutricional do meio.
Entre as linhagens avaliadas, C. vulgaris apresentou o melhor desempenho. Quando cultivada no LFAW suplementado (S-LFAW), alcançou 140 mg/L/dia de produtividade em biomassa, além de elevadas taxas de acúmulo de proteínas, ácidos graxos e carotenoides — com este último indicando predominância de metabolismo fototrófico mesmo em ambiente mixotrófico. A linhagem T. obliquus 3A teve bom desempenho apenas após a suplementação, alcançando 79 mg/L/dia.
Em contraste, a estirpe T. obliquus 1A mostrou-se incompatível com o LFAW, mesmo após a adição de nutrientes, sugerindo sensibilidade a fatores como a acidez e a alta carga de ácido lático. Os dados indicam que sua fisiologia não tolera o ambiente químico característico do subproduto lácteo, reforçando a necessidade de seleção criteriosa de estirpes na transição para aplicações industriais.
Uma das descobertas marcantes foi o efeito da suplementação de nutrientes na melhora da qualidade microbiológica das culturas. Em meio suplementado, houve forte redução nas contaminações por fungos e bactérias, que estavam presentes nas culturas cultivadas apenas com o LFAW bruto. O crescimento robusto das algas acabou competindo por recursos e inibindo contaminantes, inclusive do gênero Talaromyces, conhecido por seu potencial deteriorante.
Quanto à composição da biomassa, tanto C. vulgaris quanto T. obliquus 3A apresentaram perfis promissores de aminoácidos essenciais, superiores inclusive à soja em aspectos como leucina e lisina, embora a metionina siga sendo um aminoácido limitante. Em relação aos lipídios, a biomassa de C. vulgaris cultivada em S-LFAW manteve altos teores de ácidos graxos totais (22 g/100 g massa seca), com destaque para ácidos graxos poli-insaturados e ômega-3.
O estudo também demonstrou que a biossíntese de carotenoides está diretamente relacionada à disponibilidade de nutrientes. O maior conteúdo de luteína em C. vulgaris foi observado no meio suplementado, evidenciando a ativação da fotoproteção sob iluminação contínua. Já T. obliquus 3A teve redução significativa na síntese de pigmentos quando cultivado apenas com LFAW, consequência da ausência de elementos essenciais à manutenção do aparato fotossintético.
Além de preencher lacunas na literatura quanto ao uso do LFAW, os autores defendem que o sucesso da aplicação industrial dependerá de otimizações direcionadas no meio de cultivo, especialmente para ajustar disponibilidade de nitrogênio e traços metálicos. Também sugerem que estudos futuros considerem estratégias como cultivo em duas fases, mudanças no regime de iluminação ou suplementação com CO₂ para intensificar a produtividade proteica e lipídica.
Em síntese, o trabalho oferece uma evidência robusta de que o LFAW pode ser transformado em um substrato valioso na produção de ingredientes alimentares sustentáveis com alto valor agregado, desde que sejam adotadas abordagens de engenharia de cultivo adaptadas às particularidades fisiológicas de cada espécie algal envolvida.
