A macroalga marinha está deixando de ser apenas um ingrediente exótico em pratos asiáticos para se consolidar como uma peça central da bioeconomia azul. Essa é a premissa do artigo Harnessing seaweed’s potential for blue bioeconomy and sustainable future, que sintetiza mais de uma década de pesquisas sobre o potencial multifuncional das algas marinhas—abrangendo desde o setor agrícola até aplicações biomédicas de alta complexidade.
Ricas em compostos bioativos, vitaminas, minerais e proteínas, as algas oferecem capacidades antioxidantes, anti-inflamatórias e antimicrobianas, com aplicação em produtos farmacêuticos, alimentares e cosméticos. Além disso, seu uso está se expandindo para a produção de biocombustíveis, bioplásticos e fertilizantes biológicos, reforçando seu valor como matéria-prima ecológica de alta produtividade.
Com cerca de 12.000 espécies conhecidas, cultivadas principalmente na Ásia, a produção global ultrapassou 35 milhões de toneladas em 2019—com o cultivo sendo responsável por 97% desse volume. A concentração de carboidratos estruturais e proteínas elevadas contribui para sua valorização nutricional e tecnológica: por exemplo, espécies vermelhas podem conter até 47% de proteína em peso seco.
O artigo destaca o uso intensivo das algas na indústria de hidrocolóides, como agar, alginato e carragenina, cuja aplicação atravessa os setores alimentício, farmacêutico e biotecnológico. Em relação à produção de bioplástico, a degradação em solo em quatro a seis semanas e a não formação de microplásticos credenciam as algas como alternativa viável ao plástico convencional, embora ainda enfrentem limitações mecânicas e de barreira à umidade.
Outros usos emergentes incluem o tratamento de efluentes industriais e águas residuais urbanas. Espécies das classes Chlorophyta, Rhodophyta e Phaeophyceae têm demonstrado elevada eficiência na remoção de metais pesados, nutrientes em excesso e até resíduos farmacêuticos, abrindo caminho para sua aplicação em biorremediação.
No campo da saúde, os compostos derivados de algas têm efeitos documentados contra doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e vários tipos de câncer, embora a maior parte dos estudos ainda se concentre em modelos in vitro e in vivo. A migração dessas evidências para testes clínicos em humanos é apontada como próxima etapa essencial para a validação terapêutica.
Na engenharia biomédica, os polissacarídeos algais—como alginatos, fucoidanos e carrageninas—exibem forte compatibilidade com tecidos humanos, sendo aplicados em engenharia de tecidos, cicatrização de feridas e liberação controlada de fármacos. Partículas e nanocompósitos derivados de algas vêm sendo empregados em diagnósticos, terapias anticâncer e como transportadores de medicamentos.
A análise bibliométrica revela crescimento consolidado da produção científica entre 2010 e 2024, especialmente nas áreas de alimentação, mudanças climáticas e fertilizantes biológicos. Além de China, EUA e Índia, países europeus e latino-americanos, como o Brasil, têm ampliado sua participação no campo. O estudo chama atenção para o crescimento de pesquisas voltadas à circularidade, microplásticos, tolerância à seca e carbono azul.
Há, no entanto, desafios importantes: a variabilidade nutricional sazonal das espécies, potenciais riscos de acúmulo de metais pesados em biofertilizantes e as limitações estruturais de bioplásticos ainda requerem soluções técnicas e normativas. Os autores também alertam para a necessidade de protocolos padronizados de identificação de espécies e análise de compostos bioativos.
Como recomendação, o artigo propõe a expansão dos estudos clínicos, o emprego de tecnologias de inteligência artificial no cultivo e processamento, e o uso de modelos de biorrefinarias integradas para maximizar a valorização do recurso. Estima-se que o mercado global de algas ultrapasse US$ 30 bilhões até 2030.
Com seu alto rendimento, baixo custo de cultivo e ampla gama de aplicações, as algas marinhas posicionam-se como estratégia relevante na transição para uma bioeconomia mais sustentável, endereçando diretamente metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, como Fome Zero, Saúde e Bem-estar, Ação contra a Mudança Global do Clima e Vida na Água.
Fonte: Harnessing seaweed’s potential for blue bioeconomy and sustainable future. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0254629925005940
