Um dos entraves menos visíveis, porém altamente impactantes para o avanço da bioeconomia no Brasil, está na forma como as políticas públicas são implementadas. Embora leis e normas ambientais, sanitárias e comerciais pretendam proteger bens públicos e incentivar boas práticas, na prática, elas muitas vezes impõem custos desnecessários e desproporcionais aos empreendedores da floresta. Essa é a constatação central do artigo de opinião escrito por Salo Coslovsky, professor na NYU, a partir de sua experiência com as Mesas Executivas – fóruns organizados pelo governo federal para debater gargalos e oportunidades em setores estratégicos.
Coslovsky destaca que os problemas mais sérios não estão nas intenções das normas, mas sim nos detalhes técnicos e operacionais da sua aplicação. São pontos sutis que passam despercebidos nos grandes debates sobre desregulamentação ou burocracia, mas que têm efeitos diretos na capacidade de empreendedores do setor de competir de forma justa.
Um exemplo está na produção e comercialização do açaí. Os produtores enfrentam a ausência de um marco regulatório claro sobre nomenclatura. Termos como “polpa”, “suco”, “néctar” ou “sorbet” não têm definições padronizadas e obrigatórias, o que cria distorções fiscais, sanitárias e logísticas. O mesmo produto pode enfrentar tributações diferentes dependendo do nome que recebe no rótulo. Isso gera insegurança jurídica, prejudica quem atua corretamente e abre espaço para práticas oportunistas.
Outro caso citado é o dos exportadores de castanha. Muitos compradores internacionais exigem que os produtos venham acompanhados de um Certificado Fitossanitário, emitido pelo Ministério da Agricultura. No entanto, o governo brasileiro só emite o documento se o exportador provar que o país de destino exige formalmente esse certificado. Essa exigência transfere o ônus da prova para o exportador, que precisa localizar, traduzir e interpretar normas estrangeiras – um processo moroso e incerto, que pode travar negociações e aumentar os custos de transação.
Coslovsky também chama atenção para as barreiras colocadas pela legislação da União Europeia. Produtos tropicais inovadores, ainda que tradicionais em seus locais de origem, precisam passar por uma avaliação rigorosa e cara antes de serem comercializados no mercado europeu. Como esse processo beneficia concorrentes que poderão usufruir do caminho aberto pela empresa pioneira, poucos se dispõem a correr esse risco e arcar com os custos.
Como alternativa, o autor sugere a adoção de incentivos semelhantes aos aplicados nos EUA a medicamentos genéricos. Nesse modelo, quem financia o processo de aprovação recebe uma exclusividade temporária na comercialização do produto. Assim, criam-se estímulos adequados à inovação sem prejudicar a saúde pública ou a concorrência a longo prazo.
Esses casos revelam que o excesso de burocracia, a ausência de padronizações ou exigências deslocadas da realidade local representam mais do que obstáculos administrativos. Eles têm poder suficiente para inviabilizar negócios sustentáveis e atrasar o desenvolvimento de cadeias produtivas alinhadas à conservação da floresta. Não se trata de promover uma desregulamentação ampla, mas de entender como ajustes institucionais finos podem libertar o potencial da bioeconomia sem comprometer seus objetivos sociais e ambientais.
As Mesas Executivas, segundo Coslovsky, têm se mostrado ferramentas úteis nesse processo. Elas facilitam a escuta ativa dos agentes diretamente envolvidos nas cadeias produtivas e expõem falhas institucionais que passariam despercebidas por formuladores de políticas públicas ou atores externos ao mercado. Embora não resolvam todos os problemas, essas iniciativas colaborativas ajudam a clarear os trilhos por onde poderia avançar um setor promissor, mas frequentemente travado pelas próprias engrenagens do Estado.
Fonte: O que os empreendedores da floresta me ensinaram sobre o governo
