Extração com CO2 aumenta rendimento e reduz impacto ambiental na produção de lúpulo nacional

A dependência quase total do Brasil da importação de lúpulo pode estar com os dias contados. Um projeto liderado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em parceria com produtores do Vale do Ribeira (SP), conseguiu demonstrar que uma técnica de extração com dióxido de carbono em estado supercrítico aumenta significativamente a eficiência e a qualidade do extrato de lúpulo. O método propõe não apenas a substituição parcial das importações, mas também a criação de novos produtos e cadeias de valor a partir da mesma matéria-prima.

Hoje, menos de 1% do lúpulo usado pelas cervejarias brasileiras é cultivado dentro do país. Utilizando uma tecnologia consolidada em países como Alemanha e Estados Unidos, o projeto adaptou o processo de extração supercrítica com CO₂ ao contexto produtivo do lúpulo brasileiro. O resultado, segundo os pesquisadores envolvidos, foi promissor: o novo processo extrai até 72% de α-ácidos, substância que confere amargor à cerveja. Em comparação, o método tradicional de arraste a vapor ou solventes orgânicos alcança apenas 9% de α-ácidos.

Além da eficiência aumentada, os extratos obtidos têm volume reduzido, maior tempo de conservação e podem elevar em até 20% a produtividade do processo cervejeiro. O lúpulo, geralmente comercializado em forma de pellets, passou a ser oferecido também como óleo puro, o que melhora a logística de transporte e reduz perdas ao longo da cadeia.

Os pesquisadores garantem que as características organolépticas do lúpulo – seu perfil sensorial e “terroir” – foram preservadas. Isso amplia o interesse da indústria cervejeira, conhecida por buscar ingredientes com identidade regional. O estudo também verificou que o processo não comprometeu a assinatura sensorial da planta, elemento crucial para a qualidade percebida pelos consumidores de cerveja artesanal e premium.

Outro argumento em favor da técnica é seu menor impacto ambiental. Por empregar CO₂ reciclado em vez de grandes volumes de solventes ou água, o método se encaixa nos princípios da química verde. Ao fim do processo, o CO₂ é recapturado, sem liberar gases na atmosfera nem deixar resíduos tóxicos nos extratos obtidos.

Para além do setor cervejeiro, a pesquisa ampliou sua abordagem ao potencial de reaproveitamento dos resíduos da extração. Os rejeitos, conhecidos como “spent hop”, ainda contêm compostos importantes como flavonoides e fenólicos, que são antioxidantes naturais com aplicação nos mercados farmacêutico e cosmético. A análise bioquímica apontou que essa biomassa residual pode ser a base para novos produtos bioativos, eliminando desperdícios e gerando valor adicional.

Esta abordagem reforça a visão de bioeconomia circular. Em vez de ampliar fronteiras agrícolas com commodities de baixo valor agregado, os pesquisadores defendem a intensificação sustentável do uso da terra, apostando em culturas como o lúpulo, mais resilientes às mudanças climáticas e com aplicações diversas.

O projeto integra o Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP. Conta também com parceria do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro), além de startups locais e empresas apoiadas por programas estaduais e federais de inovação. A pesquisa foi publicada na revista Biomass Conversion and Biorefinery.

Para os cientistas, a iniciativa fortalece a possibilidade de um novo modelo de produção no campo, ao priorizar o desenvolvimento de bioprodutos com alto valor agregado e tecnologias mais limpas. A expectativa agora é escalar o processo tecnicamente viável para modelos comerciais capazes de atender uma demanda crescente, diversificada e exigente.

Fonte: Tecnologia impulsiona produção de lúpulo no Brasil

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