Uma análise inédita de abrangência global revelou como as florestas tropicais do mundo diferem quanto à composição funcional de suas copas – área crítica para trocas de carbono, água e energia com a atmosfera. Utilizando dados de mais de 1.800 parcelas florestais e sensores remotos do satélite Sentinel-2, o estudo preenche uma lacuna histórica no conhecimento sobre como os atributos funcionais das árvores variam entre Américas, África e Ásia.
Concentrando-se em 13 atributos morfológicos, estruturais e químicos de folhas e madeira, os pesquisadores mapearam traços como área foliar, densidade da madeira, teor de nitrogênio e fósforo em alta resolução. O resultado é um retrato inédito da diversidade funcional nos trópicos. As florestas americanas emergem com 40% mais riqueza funcional que as africanas e asiáticas, indicando uma maior variedade de estratégias adaptativas das plantas. Por outro lado, as florestas da África apresentam a maior divergência funcional, sugerindo forte especialização ecológica e diferenciação de nichos.
Essas diferenças refletem tanto as condições ambientais quanto processos históricos de evolução e dispersão. Por exemplo, o estudo identifica que solos mais pobres e climas menos sazonais favorecem traços conservadores, como folhas espessas e madeira densa, comuns em florestas mais úmidas e estáveis. Já áreas com maior estresse hídrico e disponibilidade de nutrientes tendem a abrigar folhas mais finas, com maior teor de nutrientes – características de espécies mais “adquisitivas”.
Em termos continentais, a Ásia apresenta atributos estruturais acentuados, com valores médios mais altos de massa foliar, área foliar e teor de água nas folhas. As florestas americanas, apesar de sua maior riqueza funcional, tendem a exibir valores medianos para muitos traços, mas com grande diversidade entre locais. Já a África, mesmo com menor número de espécies, destaca-se pela variabilidade entre traços e alta divergência funcional.
Ao comparar florestas secas e úmidas, os autores identificaram padrões consistentes: florestas secas apresentam traços que favorecem o uso otimizado de nutrientes sob estresse hídrico, enquanto florestas úmidas exibem maior área foliar e concentração de carbono, indicando estratégias voltadas à longevidade das folhas. Ainda assim, certas convergências – como em densidade de madeira e teor de água – sugerem pressões ecológicas compartilhadas entre os biomas.
O estudo também avaliou a incerteza dos modelos preditivos, sendo maior em regiões biologicamente mais complexas, como Amazônia central, Bacia do Congo e Borneo. Essa variação aponta áreas prioritárias para coleta adicional de dados de campo. A acurácia dos modelos foi maior para atributos químicos (R² médio de 0,66), como nitrogênio e cálcio, e menor para atributos morfológicos, como espessura da folha e conteúdo de água.
Os autores destacam o papel desses dados para aprimorar modelos de vegetação global, que em geral tratam as florestas tropicais como homogêneas. Ao incorporar distinções entre estratégias funcionais regionais, os modelos podem melhorar projeções sobre ciclo do carbono, uso do solo e resiliência ecológica. O trabalho amplia o entendimento sobre como os traços funcionais determinam a resposta das florestas às mudanças ambientais e pode orientar políticas de conservação e uso sustentável dos recursos tropicais.
Por fim, os autores disponibilizaram os mapas de traços funcionais em plataforma aberta, indicando um passo promissor para integrar observações de campo, sistemas de sensoriamento remoto e novas tecnologias como inteligência artificial em esforços colaborativos para monitoramento da biodiversidade. A expectativa é que, com o crescimento de bancos de dados e o lançamento de novos satélites, seja possível acompanhar mudanças na diversidade funcional das florestas ao longo do tempo.
Fonte: Canopy functional trait variation across Earth’s tropical forests.
