Resíduos agrícolas como palha de arroz e bagaço de cana-de-açúcar, frequentemente queimados ou descartados sem aproveitamento na Índia, podem ser transformados em biocombustíveis avançados com impactos importantes sobre a segurança energética, a redução da poluição e a geração de renda em regiões rurais. Um levantamento detalhado publicado recentemente revisa as cadeias de valor para conversão desses resíduos lignocelulósicos em energia, com ênfase na viabilidade técnica, econômica e logística de implantar biorrefinarias circulares descentralizadas.
A pesquisa mostra que, embora os avanços tecnológicos e as políticas públicas tenham impulsionado a produção de biocombustíveis, gargalos ainda persistem. A coleta mecanizada da biomassa enfrenta dificuldades com a umidade e o armazenamento, especialmente durante as monções. Além disso, a composição química variável dos resíduos demanda pretratamentos específicos para otimizar a conversão em açúcares fermentáveis e biogás. No caso da palha de arroz, o alto teor de sílica continua sendo um desafio técnico significativo.
Entre as tecnologias estudadas, o pré-tratamento alcalino se destaca por sua viabilidade em contextos rurais: é de baixo custo, usa reagentes simples como cal hidratada e possibilita boa remoção de lignina e sílica, além de menor formação de compostos inibidores da fermentação. Já métodos como organosolv e solventes eutéticos profundos (DES) apresentam alta eficiência, mas ainda demandam infraestrutura e custos impraticáveis para biorrefinarias de pequeno porte.
No plano de conversão, a fermentação enzimática e a digestão anaeróbica lideram em maturidade técnica para aplicações rurais. A primeira é voltada para a produção de etanol e butanol, com resultados promissores quando há micro-organismos adaptados à alta carga de inibidores presentes nos resíduos. A digestão anaeróbica, por sua vez, fornece biogás e biofertilizante, combinando eficiência energética com retorno de nutrientes ao solo.
Além da conversão bioquímica, os resíduos lignocelulósicos também podem ser convertidos termicamente via pirólise e gaseificação. Esses processos, adequados para hubs regionais, permitem a obtenção de bio-óleos e gás de síntese que podem ser convertidos em combustíveis como diesel renovável via síntese de Fischer–Tropsch. No entanto, a pesquisa indica que a escala e complexidade dessas rotas as tornam mais apropriadas para centrais distritais com maior capacidade técnica e financeira.
O estudo apresenta um modelo escalonado de implantação que combina mini-biorrefinarias em nível vila com plantas maiores em polos regionais. As unidades locais, operadas por Organizações de Produtores Rurais, priorizam digestores anaeróbicos, microdestilarias, briquetagem e fornecimento de resíduos para cogeração em usinas de açúcar. Essa arquitetura oferece maior autonomia, reduz custos logísticos e distribui os benefícios econômicos localmente, especialmente quando há contratos de compra garantida por empresas petrolíferas estatais.
Do ponto de vista econômico, o estudo detalha os custos e receitas potenciais dessas biorrefinarias. A produção de etanol de segunda geração apresenta custos de ₹80–95 por litro (USD 1,08–1,26), acima do mercado sem subsídios. A digestão anaeróbica aparece como opção mais acessível, apoiada por subsídios e esquemas de compra como o SATAT. Modelos com coprodutos, como eletricidade gerada da combustão da lignina, são os mais rentáveis, sobretudo quando apoiados por créditos de carbono e certificados de energia renovável.
O sucesso dessas biorrefinarias rurais depende de marcos institucionais robustos. Iniciativas como o Pradhan Mantri JI-VAN Yojana garantem apoio financeiro para projetos com uso de resíduos agrícolas. Já instrumentos como o GOBAR-Dhan e as políticas da SATAT preveem compras garantidas e subsidiam a infraestrutura. A integração com cooperativas agrícolas e prefeituras facilita o alinhamento local entre oferta de resíduo e conversão energética.
Por fim, a pesquisa aponta que os efeitos positivos dessas biorrefinarias vão além da energia: reduzem emissões de gases do efeito estufa em até 90% em comparação com combustíveis fósseis, recuperam nutrientes para o solo via digestato e melhoram o índice de circularidade agrícola. A combinação entre tecnologia apropriada, gestão cooperativa e apoio público pode transformar dormentes passivos ambientais em motores de desenvolvimento sustentável nas áreas rurais indianas.
Fonte: Circular biorefineries for rural India: turning rice straw and bagasse into biofuels
