Eventos recentes marcaram o lançamento de um estudo seminal sobre a bioeconomia indígena, buscando dar visibilidade aos saberes e conhecimentos ancestrais dos povos originários. Há um crescente reconhecimento de que a ciência ocidental, ainda que eficiente em diagnosticar problemas da modernidade, carece de soluções eficazes e deve aprender com as práticas sustentáveis dos povos indígenas que, pelo seu profundo vínculo com o território, emergem como verdadeiros guardiães do meio ambiente.
A antropóloga Braulina Baniwa, em uma recente mesa de debate, destacou a importância da inclusão da voz indígena nas discussões internacionais que buscam caminhos para a sustentabilidade da região amazônica – um território que não só é o lar desses povos, mas parte integrante de sua existência e bem-estar.
O estudo “Bioeconomia Indígena: saberes ancestrais e tecnologias sociais”, coautoria de Baniwa e o antropólogo Francisco Apurinã, foi apresentado em um webinar co-promovido por Uma Concertação pela Amazônia e envolveu importantes vozes, como Marcos Kaingang do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que sublinha a urgência na demarcação e homologação de terras indígenas como requisito essencial para a prática da bioeconomia e geração de renda dessas comunidades.
Na compilação de saberes e práticas, o documento revela como a economia indígena, longe de ser uma noção abstrata, se manifesta no dia-a-dia através do manejo sustentável de atividades como plantio, pesca e artesanato. É uma relação intrínseca e interdependente com o território que, paradoxalmente, não é contemplada pelas métricas da economia formal nacional.
Esse conhecimento endógeno, detalhado por Braulina Baniwa, é frequentemente negligenciado no âmbito acadêmico tradicional. Entretanto, a pesquisa demonstra não somente a resiliente adaptabilidade desses povos, como também evidencia a riqueza que a bioeconomia indígena pode apresentar. Do turismo sustentável à agricultura orgânica e artes tradicionais, existe um potencial econômico tangível, ainda que não totalmente explorado.
Rafael Barbieri, economista do WRI Brasil, traz à tona a reflexão sobre como os paradigmas ocidentais de economia, baseados na escassez, contrastam fortemente com o conceito indígena de abundância e diversidade – uma perspectiva que pode oferecer valiosas lições para um mundo redefinido por crises climáticas e ambientais.
Apesar disso, desafios práticos como a logística de distribuição continuam a ser barreiras significativas para a incorporação efetiva dessas comunidades na cadeia econômica maior. A antropóloga Baniwa sinaliza as dificuldades enfrentadas para transportar produtos artesanais aos grandes centros urbanos, muitas vezes com custos que excedem o valor dos itens.
Este panorama indica que, embora os desafios sejam muitos, o diálogo entre ciência ocidental e saberes indígenas é crucial para a construção de políticas públicas e práticas comerciais que respeitem a cultura e os direitos territoriais indígenas, possibilitando um futuro sustentável e justamente inclusivo.
A discussão abriu, portanto, possibilidades de enxergar uma ‘nova economia’ a partir da ancestralidade dos povos indígenas, não como meros participantes, mas como agentes ativos que produzem e colaboram na construção de uma realidade econômica que respeita a biodiversidade e a sustentabilidade, há milhares de anos em práxis nas terras brasileiras.
Fonte: https://pagina22.com.br/2024/03/04/a-busca-por-uma-nova-bioeconomia/