A discussão sobre a regulamentação do mercado de bioinsumos no Brasil alcança novos patamares com a tramitação de propostas no Congresso Nacional. Em um cenário onde interesses de produtores rurais se chocam com os da indústria, iniciativas legislativas buscam estabelecer regras mais claras, enquanto levantam questionamentos e provocam divergências entre os setores envolvidos.
Produtores que realizam a produção biológica em suas fazendas – prática conhecida como ‘on farm’ – reivindicam um arcabouço regulatório que favoreça a continuidade dessa atividade. Paralelamente, empresas que fornecem matérias-primas para tal processo defendem a necessidade de normas consistentes que prevejam a segurança na produção e evitem a disseminação de patógenos ou a contaminação ambiental.
O cerne da controvérsia gira em torno de dois projetos de lei: o PL 3.668/2021, aprovado no Senado, e o PL 658/2021, em análise na Câmara dos Deputados. O primeiro, elaborado pelo senador Jaques Wagner, conta com o endosso da indústria e do setor de produtos orgânicos, embora ainda aguarde análise acelerada na Câmara. O segundo, patrocinado pelo deputado Zé Vitor, encontra respaldo nas entidades representativas dos produtores rurais.
Com a aproximação de 2024, vinte e três entidades do setor agropecuário, entre elas Aprosoja Brasil, CNA e Abrapa, manifestaram-se através de uma carta reivindicando prioridade na apreciação do projeto originado na Câmara dos Deputados. A proposta parlamentar, segundo eles, garante a produção de bioinsumos para uso próprio e propõe um sistema de registro governamental mais direto.
Dentro do projeto de Wagner, dois aspectos preocupam os agricultores: a delimitação de uso dos bioinsumos na agricultura e silvicultura, excluindo a pecuária, e a instituição de uma ‘lista positiva’ pelo Ministério da Agricultura, que traria os organismos naturais autorizados para reprodução. O temor reside no risco de concentração de poder nas mãos da indústria, que poderia determinar o que é passível ou não de ser autorizado.
A posição da Associação Brasileira de Bioinsumos (Abbins) demonstra preocupação com a possível limitação da produção ‘on farm’, caso os produtos biológicos atualmente aprovados não figurarem na citada lista. Além disso, a potencial necessidade de avaliação dos produtores pela Anvisa e pelo Ibama remete à ideia de um processo burocrático analogamente rígido ao inerente aos defensivos químicos.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) reforça que uma legislação aprovada deve assegurar a viabilidade de todos os modelos de negócio presentes no mercado de bioinsumos. Mais do que definições simples para cadastro das propriedades rurais produtoras, há a discussão sobre a obrigatoriedade de um responsável técnico nos locais de produção, com propostas para facilitar a contratação por produtores menores e médios, por meio de grupos.
Essa tensão legislativa traduz o delicado equilíbrio entre o fomento à produção orgânica e as garantias de segurança e qualidade no setor agrícola, em um momento de transformação e adaptação às práticas sustentáveis. O resultado das negociações e aprovações dos projetos de lei em questão terá um impacto direto no desenvolvimento da agropecuária, na proteção ambiental e na economia em uma escala tanto nacional como global.