Afuá, a cidade amazônica que pedala em direção ao futuro sustentável

A cidade de Afuá, localizada no estado do Pará e edificada sobre as planícies inundadas da Ilha de Marajó, chama atenção global por uma característica peculiar: desde 2002, automóveis são proibidos em seus domínios. A decisão, oriunda não de uma motivação ambiental inicial, mas da incompatibilidade prática de veículos motorizados com a topografia local, resultou em um laboratório vivo para a sustentabilidade urbana. Com uma frota de bicicletas equivalente ao número de habitantes – cerca de 38.000 –, Afuá desponta em uma região onde o crescimento urbano ainda se faz refém de combustíveis fósseis.

A gestão do prefeito Odimar Wanderley Salomão, popularmente conhecido como ‘Mazinho’, enxerga na realidade de Afuá uma oportunidade de transição para uma cidade com emissões líquidas zero. Sem indicadores independentes de emissões de carbono no município, o que se destaca é o vigoroso uso da bicicleta e dos transportes fluviais como principais meios de deslocamento, contrapondo-se drasticamente aos congestionamentos e poluição de outras cidades amazônicas em expansão.

Em discussões sobre o desenvolvimento sustentável, a experiência de Afuá oferece elementos para repensar o modelo de urbanização que negligencia os rios e prioriza rodovias. Estudos ilustram que quase todo o desflorestamento na Amazônia ocorre próximos às estradas. Em adição, a alta incidência de fatalidades de trânsito na região supera em três vezes a média nacional.

Afuá, entretanto, enfrenta desafios materiais palpáveis. A escassez de infraestrutura básica, como acesso a água potável, esgoto e coleta de lixo, assim como altos índices de pobreza e inequidade, desenham um panorama de carências que contrasta com sua imagem ecologicamente positiva. A dependência de repasses federais evidencia a precariedade econômica, apesar do potencial intrínseco que a cidade apresenta para liderar a economia verde na região.

A caminho da neutralidade de carbono, a cidade enfrenta paradoxos do desenvolvimento na Amazônia. A complexidade logística da região e a falta de conexão com a rede nacional de energia colocam em evidência a dependência de usinas termelétricas movidas a diesel. Com expectativas voltadas para a futura integração à rede hidrelétrica nacional, a realidade energética de Afuá é um reflexo das incongruências entre os recursos naturais e a infraestrutura disponível.

O exemplo de Afuá mostra que liderança pragmática e consenso comunitário podem efetivamente liderar mudanças em meio a uma urbanização tumultuada. Ao rejeitar a supremacia do motor de combustão e resistir à tentação do asfalto, dando continuidade às práticas fluviais seculares, a cidade delineia seu próprio percurso em um cenário global de mudanças climáticas disruptivas e busca de habitabilidade urbana sustentável.

A narrativa de Afuá sugere uma reavaliação das estratégias de urbanização, reforçando a importância de políticas que valorizem meios de transporte e energia sustentáveis e de adaptação às particularidades locais como elementos centrais na redução de emissões e no combate às mudanças climáticas.

Fonte: A car-free town in the Amazon serves lessons for pedaling to net zero emissions. A car-free town in the Amazon serves lessons for pedaling to net zero emissions

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